Um documento apresentado à Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) mostra que
Enrique Lewandowski, filho do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e
outros dois advogados se reuniram, em dezembro do ano passado, com o então
presidente do órgão, Alessandro Stefanutto, na condição de procuradores de uma
entidade investigada por fraudes em descontos em benefícios de aposentados.
Procurado, Enrique disse que se tratou de uma
reunião de trabalho e que se desvinculou da entidade após a Polícia Federal
deflagrar a Operação Sem Desconto, em abril deste ano. A PF é subordinada à
pasta comandada pelo pai do advogado. O Ministério da Justiça afirmou que não há
que se falar em conflito de interesses porque PF e Controladoria-Geral da União
(CGU) apuraram as suspeitas “com o mais absoluto rigor, sem poupar qualquer
instituição envolvida”.
A ata da reunião mostra que os advogados
manifestaram a dirigentes do INSS que o Centro de Estudos dos Benefícios dos
Aposentados e Pensionistas (Cebap) “gostaria de se aproximar” para estabelecer
“colaboração mútua entre as partes”. A reunião ocorreu em 20 de dezembro de
2024, na sede da superintendência do INSS em São Paulo. Na época, o Tribunal de
Contas da União (TCU) cobrava o órgão para coibir desvios detectados em
auditorias. O objetivo da aproximação era “aprimorar não apenas os
procedimentos relacionados aos acordos de cooperação técnica como as formas de
controle de legalidade e regularidade do órgão”.
Enrique fazia parte de equipe composta por Igor
Tamasauskas e Marcello de Camargo Teixeira Panella. Tamasauskas disse à
reportagem que, no período em que foi procurador do Cebap, houve “muito
trabalho”, principalmente com elaboração de ofícios para respostas a pedidos de
esclarecimentos. Panella não quis comentar.
MODELO. Segundo o inquérito da Operação Sem
Desconto, o Cebap integra um grupo, com outras duas entidades, que tinha como
modelo de negócios o desconto de pagamentos a aposentados. Juntas, as três
teriam arrecadado R$ 456 milhões com esses débitos em 2024. De maio de 2023 a
janeiro de 2025, o Cebap arrecadou, sozinho, R$ 148,6 milhões.
O portal Metrópoles já havia noticiado a existência
de um contrato de Enrique com o Cebap. Agora, a ata de uma reunião, assinada
pelos advogados, traz informações sobre as tratativas feitas em nome da
entidade com o INSS. Relator da CPI, o deputado Alfredo Gaspar (União
Brasil-AL) afirmou ao Estadão que a relação de associações, via escritórios de
advocacia, com o INSS é um dos focos da comissão.
Os três advogados, desacompanhados de representantes
do Cebap, foi recebido por Stefanutto e Virgílio de Oliveira Filho, então
procurador-geral do INSS. O encontro não aparece nas agendas públicas dos
servidores. Ambos foram demitidos após a operação da PF.
À época, o Cebap já era alvo da CGU e do TCU. O INSS
estava sob pressão do tribunal, que havia determinado medidas para conter os
descontos após auditoria apontar que parte deles não era autorizada. O processo
no TCU foi pauta da reunião.
A ata registrou que, “na percepção dos advogados”,
os dirigentes do INSS não estavam “confortáveis com algumas das recomendações
do TCU” porque acreditavam que eram de difícil implementação e poderiam “representar
dificuldades tanto às entidades privadas quanto aos aposentados”.
Os advogados disseram a Stefanutto, segundo a ata,
que o Cebap estava adotando diretrizes passadas pelo órgão, mas considerava que
alguns pontos não eram “exequíveis”, como a obrigação de recadastrar todos os
aposentados associados.
SOLUÇÕES. Ao Estadão, Enrique disse que o encontro
foi uma reunião de trabalho, marcada por vias oficiais, e que ele e os outros
advogados foram contratados para atuar dentro de suas competências advocatícias.
“O INSS identificou um problema e nosso cliente tinha problemas. Fomos
conversar para achar soluções, sobre como uma empresa poderia se adequar a uma
nova normativa.”
O Ministério da Justiça negou qualquer atuação de
Enrique na pasta. “Não houve nenhuma atuação do referido escritório (na pasta).
Não houve nada que pudesse comprometer a autonomia do ministério. Por se tratar
de contrato estritamente particular, não há como falar em conflito de
interesse.”
Fonte: Estadão Conteúdo
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