Fonte: Gazeta do Oeste:
Novas mensagens vazadas de assessores do ministro
Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), indicam que a estrutura
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teria sido usada para investigar os atos
de 8 de janeiro. Segundo as conversas, servidores do TSE teriam feito
levantamentos em redes sociais de manifestantes detidos em frente a quartéis,
com o objetivo de embasar as prisões.
As informações foram obtidas pelos jornalistas David
Ágape e Eli Vieira, no bojo do caso que ficou conhecido como “Vaza Toga”.
Segundo a nova apuração, divulgada nesta segunda-feira (4) no site da
organização Civilization Works, do jornalista americano Michael Shellenberger,
Moraes teria supervisionado a força-tarefa a partir de seu gabinete. O objetivo
era gerar relatórios sobre alvos específicos com base em informações de redes
sociais e conversas em grupos privados.
As novas mensagens apontam que ele teria recrutado
funcionários dos dois tribunais – na época Moraes presidia o TSE – para operar
uma espécie de unidade de inteligência que se comunicava através do WhatsApp e
tinha a participação inclusive de seus juízes auxiliares.
A Gazeta do Povo solicitou posicionamento
do STF e do TSE sobre as revelações e, até o momento, não obteve resposta. Os
jornalistas que divulgaram as mensagens também buscaram contato com os
envolvidos, mas não foram atendidos.
"Certidões" com base em postagens de rede
social
De acordo com a apuração, a força-tarefa funcionava
com base em “certidões” informais geradas inclusive a partir de comentários nas
redes sociais, que poderiam ser suficientes para rotular alguém com uma
“certidão positiva”, classificação que ajudava a manter a pessoa presa. Essas
certidões, segundo consta, nunca foram compartilhadas com advogados de defesa
nem analisadas por promotores.
A operação chegou a recrutar colaboradores externos,
incluindo ativistas políticos, universidades e agências de verificação de fatos,
para se infiltrar em grupos de bate-papo privados. Segundo a apuração, Moraes
autorizava essas ações através de e-mails enviados para sua conta pessoal,
evitando canais institucionais.
A coordenação da força-tarefa teria ficado a cargo
de Cristina Yukiko Kusahara, chefe de gabinete de Moraes no STF, que criou e
administrou o grupo do WhatsApp. Eduardo Tagliaferro, então chefe da Unidade
Especial de Combate à Desinformação do TSE, foi quem denunciou as ordens
secretas via WhatsApp para elaborar relatórios de alvos pré-selecionados.
Também teriam participado da força-tarefa Marco
Antônio Martins Vargas, juiz auxiliar de Moraes no TSE, e Airton Vieira,
assessor judicial no STF responsável por conduzir audiências de custódia do 8
de janeiro. Outros assessores do TSE contribuíram para traçar o perfil de mais
de 1,4 mil detidos usando qualquer vestígio digital disponível.
As mensagens mostram, segundo a apuração, que o
ritmo de análise das informações era frenético e, até certa forma, improvisado.
As certidões eram emitidas, retiradas e reemitidas em questão de minutos,
muitas vezes sem motivo aparente.
As mensagens mostram funcionários recebendo listas
informais de detidos diretamente da polícia, incluindo nomes, fotos e números
de identidade, sem cadeia de custódia formal. Em um áudio, um policial federal
pediu confidencialidade porque os dados eram “muito procurados”, apontando que
o material estava sendo compartilhado fora dos canais legais.
Após associar um nome a um rosto, a equipe
vasculhava plataformas de mídia social buscando postagens que pudessem ser
interpretadas como “antidemocráticas”. Os critérios variavam caso a caso,
incluindo compartilhar publicações sobre os protestos, criticar o STF ou o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), participar de grupos no
Telegram ou WhatsApp, retuitar conteúdo rotulado como “desinformação”, menções
em reportagens ou denúncias anônimas online.
Cada certidão baseava-se em pesquisas rápidas no
Facebook, Instagram, Twitter, TikTok, YouTube, Telegram e Gettr. Se algum
conteúdo fosse encontrado, o detido recebia “certidão positiva”. As principais
fontes para justificar os rótulos eram notícias e perfis anônimos no Twitter,
frequentemente sem verificação de autoria ou contexto.
Essa classificação era suficiente para justificar a
detenção, independentemente de antecedentes criminais, comportamento violento
ou presença dentro de prédios governamentais.
Entre os exemplos citados na apuração está o de um
caminhoneiro denunciado por postagens no Facebook que criticavam Lula e
questionavam as eleições de 2022. Ele não estava nos atos de vandalismo do dia
8 de janeiro de 2023, apenas no acampamento montado em frente ao
Quartel-General do Exército, onde foi preso no dia seguinte e acusado pelo
crime de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito – ele
passou 11 meses e 7 dias preso.
Outro homem foi preso por uma única postagem no
Instagram que dizia: “Fazer cumprir a Constituição não é golpe”. Outro, um
vendedor ambulante de 54 anos, nem sequer participou dos atos e chegou apenas à
noite ao acampamento para vender bandeiras e camisetas, mas também foi detido.
Em uma mensagem, Cristina Kusahara reconheceu que a
Procuradoria-Geral da República (PGR) havia recomendado a libertação de um
grupo de detidos. Mesmo assim, Moraes recusou-se a soltá-los até que sua equipe
terminasse de examinar suas redes sociais.
“A PGR pediu a LP (liberdade provisória) deles, mas
o ministro não quer soltar sem antes a gente ver nas redes se tem alguma
coisa”, escreveu.
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