Quase um quinto dos jovens brasileiros com idades de
15 a 29 anos que não trabalham nem estudam está em situação de analfabetismo
funcional e, por isso, tem possibilidades limitadas de melhora futura na
qualidade de vida.
Os dados inéditos sobre a relação da alfabetização e
a inserção no mercado de trabalho são do Inaf (Indicador de Analfabetismo
Funcional) de 2024, estudo que é coordenado pela ONG Ação Educativa desde 2001.
O indicador considera dois níveis de analfabetismo
funcional: absoluto, que inclui aqueles que não conseguem ler palavras ou um
número de telefone; e rudimentar, que abarca quem sabe ler e escrever, mas tem
dificuldade para entender o que lê ou de fazer contas de adição e subtração.
O levantamento mostra que, depois de avançar na
redução do analfabetismo funcional, o Brasil estagnou e tem 29% da população de
15 a 64 anos nessa condição —patamar semelhante ao que o país tinha em 2018 e
ainda uma piora em relação a 2009, quando alcançava 27% dos brasileiros.
Ainda que a maioria dos analfabetos funcionais seja
de pessoas mais velhas, o estudo aponta uma proporção significativa de jovens
nessa situação —atingindo 17% daqueles que têm entre 15 e 29 anos.
Ana Lúcia Lima, coordenadora do indicador, destaca
com preocupação a proporção de jovens que se encontram nessa categoria e ainda
estão excluídos dos dois mundos em que poderiam desenvolver essas habilidades:
a educação e o trabalho.
Segundo os dados, enquanto 45% dos jovens com
alfabetismo considerado consolidado estão empregados, mas entre os que estão na
condição de analfabetismo funcional essa proporção é de apenas 17%. Nesse
segundo grupo, 18% estão ainda em situação ainda mais grave já que não
trabalham nem estudam.
“Esses dados mostram um grupo que, já no início da
vida adulta, não encontrou e tem pouca perspectiva de encontrar oportunidades
de se desenvolver. São jovens que não tiveram garantido o direito de serem
plenamente alfabetizados, já saíram da escola e agora estão excluídos do mundo
do trabalho”, diz Lima.
Pesquisadores responsáveis pelo estudo já haviam
indicado que a estagnação do indicador nos últimos anos reflete a baixa
qualidade da educação brasileira, uma vez que os dados mostram uma proporção
grande de pessoas que passaram pela escola e, mesmo assim, não foram
alfabetizadas.
Para Lima, os resultados indicam a necessidade do
fortalecimento de duas estratégias para esse grupo de jovens em situação de
analfabetismo funcional: a ampliação da oferta de EJA (Educação de Jovens e
Adultos), modalidade destinada para quem não concluiu a escolarização na idade
adequada, e iniciativas de capacitação pelos empregadores.
Conforme mostrou a Folha, apesar da estagnação no
combate ao analfabetismo e de ter quase metade da população adulta sem concluir
o ensino médio, o país atingiu no ano passado o menor patamar de matrículas de
EJA desde o início da série histórica, em 1996.
“Precisamos melhorar a oferta de EJA no país, que
sofreu um processo de desmonte nos últimos anos. Mas só ela não resolve o
problema. A boa notícia é que o trabalho também pode ser alfabetizante, na
medida em que vão avançando na vida profissional e pessoal, esses jovens também
avançam no seu letramento.”
Os dados indicam que 7% dos jovens considerados
analfabetos funcionais estudam e trabalham, 17% apenas trabalham e 14% apenas
estudam.
O estudo indica ainda uma nítida desigualdade de
gênero e raça. Entre as mulheres jovens com analfabetismo funcional, 42% não
estudam nem trabalham, índice muito superior ao dos homens na mesma condição, que
é de 17%.
Entre eles, 56% estão inseridos exclusivamente no
mercado de trabalho, enquanto para as mulheres a responsabilidade com o cuidado
de filhos e familiares segue sendo uma barreira significativa à chamada
inclusão produtiva. O estudo indica que 22% daqueles que se dizem responsáveis
pelo lar (os donos de casa) são analfabetos funcionais —essa é a ocupação com o
maior percentual de pessoas.
“A ocupação com o maior índice de analfabetismo
funcional é a que temos mais mulheres. Nos últimos anos, elas têm conseguido
mais oportunidades de estudar, elas se destacam positivamente nos anos iniciais
da trajetória escolar e até no acesso ao ensino superior. Mas nos grupos mais
vulneráveis, essas vantagens somem, porque elas são tolhidas por seu papel social
de cuidados com a casa e a família.”
Além disso, os jovens negros apresentam maior
incidência de analfabetismo funcional (17%) e menor presença no grupo com
alfabetismo consolidado (40%), em comparação com os jovens brancos (13% e 53%,
respectivamente).
Folha de São Paulo
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