O Rio Grande do Norte voltou a figurar no topo do
ranking nacional de comprometimento da receita com gastos de pessoal e
previdência, segundo o Relatório Resumido de Execução Orçamentária em Foco
(Estados + DF), divulgado pelo Tesouro Nacional no último dia 20. O
levantamento, que traz dados do 3º bimestre de 2025 (maio-junho), aponta que
72% da receita total do Estado foi destinada ao pagamento de servidores, maior
índice proporcional do país. Além disso, 38% de toda a despesa foi consumida
pela previdência social, também a maior taxa entre os estados.
O relatório apresentado pela STN considera a receita
total e a folha bruta liquidada, comparando estruturalmente o gasto dos
estados, sem aplicar deduções legais específicas. Na prática, a edição do 3º
bimestre revela que quase todo o orçamento do Rio Grande do Norte é consumido
pela manutenção da máquina pública, restando apenas 2% para investimentos e
outros 2% para o serviço da dívida. Outros 15% foram direcionados a despesas de
custeio, enquanto a previdência despontou como o maior gasto funcional do
Estado, somando R$ 4,03 bilhões até o 3º bimestre. Esse valor supera áreas
essenciais, como Saúde (10%) e Educação (16%).
O déficit do Regime Próprio de Previdência Social
(RPPS) atingiu R$ 1,104 bilhão em 2025, o equivalente a 12% da Receita Corrente
Líquida (RCL), índice superior ao registrado em 2024, de R$ 873,4 milhões (10%
da RCL). O crescimento do rombo previdenciário tem pressionado ainda mais as
contas públicas e exigido aportes constantes do Tesouro estadual para garantir
o pagamento de aposentadorias e pensões.
Mesmo com esse quadro, o RN registrou aumento de 12%
na arrecadação de receitas correntes no período, passando de R$ 10,18 bilhões
em 2024 para R$ 11,38 bilhões em 2025. No entanto, as despesas correntes
avançaram em ritmo mais acelerado, crescendo 14% e alcançando R$ 10,18 bilhões.
O resultado orçamentário ainda foi positivo, com superávit de R$ 940 milhões
(10% da RCL), mas inferior ao saldo de R$ 1,44 bilhão (17% da RCL) de 2024,
sinalizando redução na margem de equilíbrio fiscal.
No comparativo nacional, os dados confirmam o peso
da folha potiguar. Depois do RN (72%), os estados com maior comprometimento da
receita com pessoal foram Rio Grande do Sul (63%) e Mato Grosso do Sul (59%).
No outro extremo, os menores percentuais foram registrados no Espírito Santo
(41%) e nos estados do Amapá, Maranhão e Piauí (42%).
O Ministério da Fazenda esclareceu por meio de nota
que o Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO) apenas consolida os
dados enviados pelos próprios entes por meio do Siconfi, permitindo a
comparação e consulta pública. Em relação ao gasto com pessoal do RN, que
chegou a 72% da receita total, a pasta destacou que o parâmetro da LRF é a
receita corrente líquida e que a apuração oficial é feita por meio do Relatório
de Gestão Fiscal (RGF). O valor indicado, portanto, serve apenas como
referência, não sendo suficiente para concluir eventual descumprimento da LRF.
Tendência de queda
O número da Ministério da Fazenda, porém, difere do
que a Secretaria da Fazenda do Estado (Sefaz/RN). Neste caso, a última
publicação foi em maio apontando um gasto de 56,01% com pessoal. Este indicador
leva em consideração a Receita Corrente Líquida (RCL) e a folha “líquida”.
A Secretaria da Fazenda do RN reconhece a gravidade
do cenário, mas destaca que há uma tendência de redução gradual no
comprometimento da receita com pessoal. O secretário executivo da pasta, Álvaro
Bezerra, afirma que o percentual, embora elevado, já foi maior no passado
recente. “A gente fechou agora esse semestre com cerca de 55%, 55,47% da
receita total. Esse valor já é menor do que o registrado no fim de 2024. Isso
mostra uma curva de desaceleração do gasto com pessoal”, disse.
Segundo ele, no início da atual gestão estadual, o
Estado chegou a registrar 63% de comprometimento da receita com servidores. “O
Estado continua sendo aquele que mais gasta proporcionalmente com pessoal, isso
é fato, é inegável. Mas, apesar disso, vem ano após ano reduzindo esse
comprometimento”, reforça. “Já são mais de 20 anos que o RN está acima do
limite da LRF, mas, se essa tendência for mantida, em um prazo satisfatório
poderemos voltar à legalidade”, completou o secretário.
Ele lembrou ainda que, a partir de 2026, entra em
vigor uma lei aprovada em 2024 que limita o crescimento da folha a 80% do
crescimento da Receita Corrente Líquida (RCL). “A folha sempre vai crescer, é
inevitável, mas precisa crescer de forma sustentável, abaixo do crescimento da
receita”, disse.
Sobre a previdência, Bezerra admitiu que o quadro é
mais complexo. “Temos um quadro de servidores envelhecido, muitos já com
requisitos para se aposentar, e, ao mesmo tempo, não há ingresso de novos
servidores na mesma proporção, porque a LRF impede a realização de concursos
amplos”, explicou.
Ele confirmou que o déficit previdenciário passou de
10% da RCL em 2024 para 12% em 2025, ultrapassando R$ 1,1 bilhão. “Isso exige
cada vez mais dinheiro do Tesouro para cobrir o pagamento de aposentadorias e
pensões, já que a arrecadação própria do Ipern não é suficiente”, destacou.
Para ele, esse seguirá como um dos principais gargalos da gestão fiscal.
Economista diz que folha cresce além da
arrecadação
O economista e professor da UFRN, Thales Penha,
avaliou que o relatório confirma problemas estruturais antigos das finanças
potiguares. Para ele, os dois principais gargalos são a folha de pagamento em
descompasso com a arrecadação e o déficit previdenciário crescente. “O RN tem
um descompasso da sua folha de pagamento: ela cresce em uma velocidade maior do
que a arrecadação”, explicou.
Na avaliação do economista, a valorização dos
servidores é necessária, mas precisa seguir critérios claros. “É importante que
o Estado pobre, como o Rio Grande do Norte, fomente suas políticas públicas e
precisa de servidores para isso, que precisam ser valorizados. Mas não há nenhum
critério de como essa valorização é feita”, aponta o especialista.
Em sua análise, ele diz que existem categorias da
elite do funcionalismo, principalmente do Judiciário e dos auditores fiscais
estaduais, que têm remuneração muito acima, enquanto outras carreiras ficam à
margem. “É preciso racionalizar os reajustes”, defendeu. Ele também destacou
que o déficit previdenciário seguirá como um dos maiores entraves, mesmo após a
reforma de 2019. “A reforma deu uma atenuada, mas é um processo de longo prazo.
Provavelmente daqui a algum tempo teremos que fazer outro ajuste. Isso envolve
também um problema geracional, porque o quadro de servidores é envelhecido e o
ingresso de novos é limitado”, disse.
Além da folha e da previdência, Thales Penha chamou
atenção para o peso das renúncias fiscais. “Não é possível que um Estado com
orçamento pequeno abra mão de quase 10% de sua receita em incentivos que têm
mostrado pouquíssimo impacto. É preciso revisar para já esse gasto tributário,
para recuperar a capacidade de investimento em áreas que realmente dinamizam o
PIB, como infraestrutura e logística”, concluiu.
Para ele, é urgente revisar também a estrutura da
folha. “É preciso uma reforma administrativa que compatibilize reajustes e
contratações com a receita. Carreiras que fazem o mesmo serviço em diferentes
poderes devem ter a mesma remuneração. Hoje isso não acontece e gera
distorções”, disse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário