Brasil deve evitar o abraço chinês
A China tenta usar a beligerância de Trump para
atrair o Brasil cada vez mais para sua esfera de influência. Felizmente, por
ora, Lula tem resistido. O País precisa se manter equidistante
A nota do Palácio do Planalto sobre o recente
telefonema entre os presidentes do Brasil, Lula da Silva, e da China, Xi
Jinping, adotou um tom prudente, ao não citar as agressões americanas contra o
País e ao focar apenas nas possibilidades de “parceria estratégica bilateral” e
de novas oportunidades de negócios com os chineses. Mostrou, ao menos no
discurso, que o Brasil, a despeito das inclinações ideológicas do lulopetismo,
não está disposto a correr para os braços da China para se abrigar da
virulência do presidente americano Donald Trump.
O contraste com o comunicado chinês a respeito do
telefonema não poderia ser mais evidente. A nota de Pequim exalta a intenção
brasileira de fortalecer a comunicação e a coordenação com a China em
mecanismos multilaterais como o Brics, de opor-se a atos de intimidação
unilateral e de defender os interesses comuns de todos os países. Ademais,
destacou o apoio chinês ao povo brasileiro na defesa de sua soberania nacional
e de seus legítimos direitos e interesses, uma clara referência às chantagens
de Trump. Ou seja, trata-se de um comunicado com forte caráter político, que na
prática procura retratar o Brasil como um país ansioso por estreitar os laços
com Pequim a fim de responder ao bullying dos EUA. Tudo isso é obviamente muito
conveniente para a China, que tenta ampliar seu raio de alcance comercial e
diplomático na sua guerra particular contra os EUA.
A beligerância com que Trump tem tratado o País é útil
aos objetivos dos chineses, que há tempos tentam convencer o Brasil a aderir
formalmente à Nova Rota da Seda, projeto por meio do qual a China busca exercer
sua influência global via investimentos de infraestrutura e de comunicações
executados e financiados por empresas e bancos chineses.
Tal alinhamento, por óbvio, não viria sem um custo
geopolítico elevado, e o Brasil, felizmente, tem resistido a essa armadilha.
Apesar das dificuldades impostas por Trump, a economia brasileira tem porte
mais que suficiente para manter sua tradição de equilíbrio e independência na
defesa de valores e interesses sem abrir mão de fazer negócios com o mundo
todo, inclusive a própria China.
Nesse sentido, o discurso do presidente Lula no
lançamento do Plano Brasil Soberano foi bastante sensato, diferentemente do tom
que o petista costuma adotar nesse tipo de situação. No anúncio de medidas para
socorrer os exportadores prejudicados pelo tarifaço norte-americano, Lula
descartou adotar, neste momento, medidas para retaliar os EUA e disse,
reiteradas vezes, que vai investir na melhoria das relações entre os dois
países.
A despeito da evidente má vontade de Trump para
negociar com o Brasil, há a possibilidade de que novos produtos sejam incluídos
na lista de quase 700 exceções ao tarifaço de 50%, como o café. Lula disse
ainda que o País vai procurar novos parceiros comerciais dispostos a comprar
parte de nossa produção. Em outubro, ele pretende ir à Cúpula da Associação de
Nações do Sudeste Asiático (Asean), na Malásia, e, em janeiro, à Índia,
acompanhado de centenas de empresários.
Há muito a ser feito para minimizar o impacto do
tarifaço na economia. Além da ajuda imediata aos produtores prejudicados via
crédito, devolução e diferimento de tributos, o Ministério da Agricultura e
Pecuária tem investido na busca de novos mercados para expandir a exportação de
carnes e frango, setor no qual o País tem desempenho promissor e um dos mais
afetados pelas sanções.
Embora Lula não tenha tocado no assunto, passou da
hora também de acertar os últimos detalhes que ainda atravancam o acordo entre
o Mercosul e a União Europeia. Esse acordo, além de ser do interesse de todos,
ganhou ainda mais relevância num momento de tantas incertezas.
É importante lembrar que Trump acaba de estender por
mais 90 dias a trégua com Pequim para a vigência do tarifaço, o que dá uma
dimensão dos limites da agressiva política americana perante o gigante
asiático, com quem acumula o maior déficit comercial. Para o Brasil, o momento
é desafiador, mas pede serenidade e equidistância, atributos que historicamente
têm sido a marca de nossas relações internacionais, a despeito das pressões
vindas de todos os lados.
Opinião do Estadão
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