Um relatório da Comissão de Controle de Infecção
Hospitalar do Hospital João Machado, em Natal, revelou um cenário crítico de
desabastecimento de insumos e medicamentos essenciais. A falta de itens como
luvas, aventais, álcool, antissépticos e antibióticos de uso hospitalar — entre
eles piperacilina + tazobactan e meropeném — compromete, segundo o relatório, a
segurança de pacientes e profissionais. Como medida temporária, a Comissão de
Controle de Infecção recomenda o bloqueio técnico de leitos. O relatório foi
enviado para a Secretaria de Saúde do Estado no último dia 14 de agosto.
O Relatório de Comunicação da Falta de Insumos e
Medicamentos Essenciais do Hospital João Machado recomenda o bloqueio
temporário de leitos sempre que não houver condições mínimas de segurança e
suporte. A medida deve ser registrada formalmente, comunicada à direção técnica
e à regulação, e notificada à vigilância sanitária quando necessário. O texto
não especifica quantos leitos devem ser bloqueados – e nem a partir de qual
data – mas alerta que o desabastecimento tem impactado nos índices de infecção
hospitalar.
“Nos últimos meses, observou-se um cenário crítico
relacionado à escassez de insumos e medicamentos essenciais, o que comprometeu
diretamente a capacidade de resposta da instituição frente à prevenção e ao
tratamento adequado das infecções hospitalares. Essa situação tem gerado
impactos relevantes nos desfechos clínicos dos pacientes, refletidos no aumento
da taxa de mortalidade, nas dificuldades de implementação de medidas de
isolamento adequadas e no agravamento do perfil microbiológico, com maior
prevalência de microrganismos multirresistentes”, diz o relatório.
Em 2025, de acordo com o relatório, os indicadores
de infecção hospitalar do Hospital João Machado superaram em múltiplas vezes as
metas previstas. A taxa de infecção de corrente sanguínea chegou a 8,58 em
fevereiro e 8,20 em abril, cerca de três vezes acima do limite de 2,70. Nos
mesmos meses, a pneumonia associada à ventilação mecânica registrou 23,12 e
21,98, quase três vezes a meta de 7,95. As infecções do trato urinário, zeradas
no ano anterior, atingiram 3,31 em abril e 2,43 em maio, até cinco vezes o
parâmetro de 0,69. A adesão à higiene das mãos caiu para patamares críticos: em
janeiro foi de apenas 15,9% e em julho de 19,5%, quando o esperado era 85%.
Segundo o relatório, o problema tem “gerado impactos
relevantes nos desfechos clínicos dos pacientes, refletidos no aumento da taxa
de mortalidade, nas dificuldades de implementação de medidas de isolamento
adequadas e no agravamento do perfil microbiológico, com maior prevalência de
microrganismos multirresistentes”. Também destaca o baixo índice de adesão à
higiene das mãos, além do déficit de leitos de isolamento, sobretudo nos
setores de clínica médica e psiquiatria.
Em resposta ao relatório, um ofício da
Subcoordenação de Assistência Farmacêutica da Secretaria Estadual de Saúde
(SESAP) reconheceu o problema e informou que medidas administrativas foram
tomadas para reabastecer os estoques. Afirmou que a normalização deveria
ocorrer “nos próximos dias” e revelou que o índice de abastecimento estava em
torno de 73,5%, apesar de admitir a falta de itens críticos.
A reportagem da TRIBUNA DO NORTE tentou contato com
a Secretaria de Saúde, mas não houve resposta. O espaço segue aberto.
Desabastecimento
Para o presidente do Sindicato dos Médicos do RN
(Sinmed), Geraldo Ferreira, a situação não se restringe ao João Machado.
Segundo ele, o desabastecimento de insumos básicos e medicamentos vem se repetindo
em hospitais de referência da rede estadual.
“Estamos vivendo um desabastecimento que adquiriu
caráter generalizado. Faltam desde lençóis, máscaras cirúrgicas, material de
intubação e medicamentos, até seringas de 10 e 20 ml. Isso compromete totalmente
o tratamento, aumenta os riscos de infecção hospitalar, prolonga o tempo de
internação e eleva a mortalidade dos pacientes”, alertou.
O dirigente pontua ainda que os médicos ficam
expostos a responsabilidades que não lhes cabem. “Se o paciente não recebe o
antibiótico adequado e evolui com infecção, o médico pode acabar respondendo
legalmente por um problema que é consequência da falta de estrutura. É uma
situação lamentável, que causa dor e sofrimento a pacientes, familiares e
profissionais”, acrescentou.
A crise se estende a outras unidades da rede
estadual. No Hospital Maria Alice Fernandes, em Natal, a Justiça chegou a
determinar a reabertura de leitos de UTI após denúncias de desativação por
falta de recursos humanos e materiais. De acordo com Geraldo Ferreira, cinco
leitos da UTI neonatal e dois da pediátrica foram desativados recentemente pela
escassez de insumos e de profissionais, comprometendo o atendimento a crianças
em estado grave.
No Hospital Deoclécio Marques, em Parnamirim, a
situação também é delicada. Cirurgias ortopédicas precisaram ser canceladas
neste terça-feira (19) devido à falta de materiais básicos, como fios
cirúrgicos e equipamentos essenciais para os procedimentos. Familiares chegaram
a relatar que pacientes aguardavam internados sem previsão para realização das
cirurgias, o que agrava o quadro clínico e sobrecarrega a equipe médica.
Walfredo Gurgel será inspecionado
O Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, maior
pronto-socorro do estado, será alvo de uma visita de inspeção nesta
quinta-feira (21). A ação será realizada pelo Sinmed em conjunto com o Conselho
Regional de Medicina (Cremern), com participação do Ministério Público.
Segundo Geraldo Ferreira, a decisão foi motivada por
denúncias do centro cirúrgico e do centro de queimados do hospital. “Recebemos
relatos gravíssimos, inclusive de uma obra no centro de queimados que se
arrasta há mais de um ano e coloca em risco a manutenção de recursos federais.
Só esse setor recebe cerca de R$ 2 milhões anuais, mas está em vias de perder o
repasse por não atender aos critérios de qualidade exigidos”, disse.
Na inspeção, o sindicato pretende verificar a falta
de insumos e reunir informações para apresentar em coletiva à imprensa.
“Estamos diante de uma situação que não é localizada, é disseminada em toda a
rede. É necessário que os gestores das unidades hospitalares tenham uma postura
mais firme diante da gestão estadual, porque não se pode continuar esmagando a
saúde pública dessa forma”, reforçou o presidente do Sinmed.
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