O ‘gabinete do ódio’ do bem
O lulopetismo orquestra a produção de desinformação
para atacar o Congresso, ação que, conforme o critério ora estabelecido pelo
STF, poderia ser enquadrada como ataque à democracia
Às favas o slogan “União e reconstrução”, com o qual
Lula da Silva inaugurou seu terceiro mandato. Na falta do que mostrar, o
governo decidiu acirrar como nunca a polarização e o ressentimento como
instrumentos de sobrevivência política. Em vez da quimérica “frente ampla”,
assiste-se à truculência de um projeto de poder marcado por trincheiras
ideológicas, mistificações retóricas e mobilização tribal da militância. O
velho “nós contra eles” saiu do porão e voltou ao Planalto com lugar de honra.
Para amparar a iniciativa, os spin doctors do
Planalto convocaram militantes e influencers para “pautar as redes”. É a
reedição do infame “gabinete do ódio” bolsonarista, agora com sinal trocado e
chancela institucional. O que antes era denunciado como ataque à democracia
virou estratégia de “comunicação participativa”.
O lulopetismo não mudou. Só adaptou seu vocabulário.
A retórica da “democracia” serve para sufocar o contraditório. A bandeira da
“diversidade” é empunhada para macetar a uniformização ideológica. O combate a
“discursos de ódio” é pretexto para advogar a censura e intimidar dissidentes.
O portal “Brasil contra Fake”, da Secretaria de
Comunicação Social da Presidência, por exemplo, não se dedica a desfazer
mentiras, mas a consagrar uma versão oficial da realidade. Quando o governo
afirma que irá “taxar os ricos”, mas decreta o aumento do IOF, que penaliza os
pobres, ninguém no portal se dá ao trabalho de desmoralizar a trapaça.
A hipocrisia é mais escancarada quando o PT vocifera
contra “ataques às instituições” e simultaneamente investe contra o Congresso
porque este não se ajoelha à agenda do Planalto. A cada derrota legislativa,
ensaia-se um coro de vitimização e teoria conspiratória, como se o Legislativo
fosse nada mais que um enclave reacionário impedindo a marcha do progresso. É o
PT de sempre: incendiário na oposição, autoritário no poder.
Esse é o mesmo partido que votou contra a
Constituição, o Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal. O mesmo que
acusou Marina Silva de querer a miséria do povo por defender, na campanha
eleitoral de 2014, a autonomia do Banco Central. Lula, o pacificador de
palanque, é também o agitador que evoca o “exército do Stedile”, o líder do
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), quando acuado. Agora, à
frente de um governo débil, desnorteado, desconectado dos anseios populares e
dependente de improvisações, opta novamente pela radicalização como estratégia
diversionista. Não tem projeto de futuro, mas conjura inimigos imaginários para
inflamar sua base: os pobres contra os ricos, o Planalto contra o Congresso –
na verdade, Lula contra os fatos.
Mas a realidade insiste em escapar do roteiro. A
inflação resiste, a bomba fiscal se avoluma e a sociedade clama por soluções, e
não slogans. Mas, para um projeto de poder anacrônico, melhor insuflar a
beligerância e posar de guardião dos pobres contra as elites. Que ninguém se
engane: o fosso mais pernicioso que atravessa o Brasil não é entre ricos e
pobres, mas entre a sociedade produtiva e a oligarquia estamental que parasita
o Estado. E não há facção mais influente nesse sistema do que o PT.
União e reconstrução? Só se for da mística
partidária e das fantasias de um presidente que prefere governar com slogans e
bate-paus a encarar a dura tarefa de liderar um país real, complexo e cansado
de ser manipulado.
Os petistas rodaram o mundo e ainda rodam
denunciando que Dilma Rousseff sofreu impeachment graças a um “golpe”
orquestrado pelo Legislativo, o Judiciário e o setor produtivo a serviço da
CIA. Imagine o leitor as consequências se algum grupo bolsonarista andasse por
aí propagando memes do Supremo Tribunal Federal (STF) em chamas, como faz a
militância petista da “Frente Povo Sem Medo” com imagens do Congresso
acompanhadas do slogan “Congresso inimigo do povo”. Há anos o STF conduz
inquéritos secretos, elásticos e intermináveis que abrigam prisões e censuras,
além de fabricar toda uma nova regulação das redes digitais, para “salvar a
democracia”. Agora que o governo lulopetista inunda – mais uma vez – a esfera
pública com “discursos de ódio”, “desinformação” e “ataques às instituições”, o
zelo dos ministros se encherá dos mesmos brios, ou será que existe um “gabinete
do ódio” do bem?
Opinião do Estadão
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