Lula ganha, Brasil perde
Governo convence o STF sobre o caráter regulatório
do decreto do IOF, embora nunca tenha escondido a intenção de arrecadar mais e
salvar a meta fiscal. O País pagará mais essa conta
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Alexandre de Moraes deu razão ao governo na batalha com o Congresso sobre a
validade do decreto que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Para o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, foi uma
“vitória significativa da Constituição federal”. Nesse caso, a derrota coube à
sociedade brasileira, que mais uma vez pagará a conta da irresponsabilidade
fiscal do Executivo e do Legislativo.
A decisão de Moraes ainda será submetida ao plenário
do STF após o recesso do Judiciário, mas é improvável que seja revertida. Na
exposição de motivos do decreto, documento preparatório que antecedeu a edição
do ato, o governo alegou que a mudança das alíquotas do IOF visava a
“padronização normativa, simplificação operacional e maior neutralidade
tributária”, de forma a fechar brechas para a evasão e a sonegação – argumentos
que endossavam o caráter regulatório do ato.
Era um argumento capcioso, haja vista que a equipe
econômica não escondeu de ninguém que a intenção, com o decreto, era arrecadar
R$ 12 bilhões neste ano e R$ 31,2 bilhões em 2026 para salvar a meta fiscal.
Sem o ato, não por acaso editado logo após o anúncio do contingenciamento de R$
31,3 bilhões, o Executivo não teria alternativa a não ser alterar a meta fiscal
deste ano, um vexame ao qual o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já foi
submetido no ano passado e que queria evitar a qualquer custo neste ano.
Formalmente, no entanto, o STF não tinha como deixar
de reconhecer a competência do Executivo de alterar as alíquotas do IOF por
decreto, uma prerrogativa assegurada pela Constituição. Em casos semelhantes
envolvendo decretos editados por governadores e derrubados por Assembleias
Legislativas, a Corte deu vitória aos Executivos estaduais.
Mas o ministro Alexandre de Moraes ao menos
reconheceu que o governo extrapolou em parte do decreto, ao incluir o risco
sacado entre as operações sujeitas à incidência de IOF. O risco sacado, por
meio do qual uma empresa vende recebíveis para antecipar recursos, não está na
resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) sobre operações de crédito, de
2020. Logo, o fato gerador do imposto não poderia ter sido ampliado por meio de
decreto presidencial, mas somente por meio de lei – uma competência do
Legislativo, e não do Executivo.
A derrubada desse trecho do decreto reduziu a
arrecadação projetada pelo governo em R$ 450 milhões neste ano e R$ 3,5 bilhões
no próximo. Mas o governo conseguiu manter a incidência das alíquotas majoradas
de IOF, de forma retroativa ao dia em que o decreto foi publicado, sobre
operações de câmbio, crédito e seguros.
A batalha jurídica e política que o decreto gerou
pode dar a falsa impressão de que a solução do problema fiscal do País dependia
unicamente da majoração do IOF. De fato, o governo poderá respirar aliviado por
algumas semanas, mas não será recorrendo a medidas improvisadas e extemporâneas
que o Orçamento será reequilibrado de maneira estrutural.
Mesmo com o crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB), as despesas públicas continuam a crescer em um ritmo maior que o das
receitas. Financiar essa diferença com o aumento da carga tributária – ou pela
recuperação da base fiscal, como prefere dizer o ministro Haddad – impõe custos
elevados a toda a sociedade.
O aumento das alíquotas de IOF sobre câmbio e
crédito, por exemplo, vai encarecer viagens e compras internacionais e o custo
de empréstimos para pequenas empresas. São operações que não estão restritas
aos “super-ricos” e que desfazem o discurso eleitoreiro do governo em defesa
dos mais pobres, em escancarada antecipação da campanha presidencial de 2026.
Com a decisão sobre o IOF, o Executivo celebra a
sobrevida do malfadado arcabouço fiscal e adia mais uma vez a discussão de
reformas estruturais. O Congresso range os dentes e investe no discurso de que
não aceita aumento de impostos, mas faz de tudo para assegurar o pagamento de
suas emendas parlamentares. O STF se coloca como “poder moderador” dessas
disputas e se arvora em guardião da democracia e da Constituição, enquanto se
cala ante a farra dos penduricalhos no Judiciário. Enquanto isso, o País paga a
conta dessa festa.
Opinião do Estadão
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