Agruras da política externa de Lula
Brasil evita diálogo com Milei e cúpula do Brics se
esvazia; diplomacia expõe cacoete ideológico e ignora cenário global
A esquiva de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao
diálogo com o argentino Javier Milei, como se viu na reunião de cúpula do
Mercosul na quinta (3), não é de interesse do país.
Tal comportamento não é um ponto fora da curva da
política externa brasileira, que agora tem pela frente um encontro do Brics
esvaziado de lideranças neste final de semana no Rio de Janeiro.
Seria difícil imaginar diretriz coerente para a diplomacia
do país após os dois mandatos problemáticos de Lula na seara internacional. A
reedição da política "ativa e altiva" poderia ao menos levar em conta
a conjuntura mundial diversa e munir-se de prudência. Não é o que acontece.
Lula deixou Buenos Aires sem ao menos uma conversa
reservada com Milei, sabidamente resistente ao diálogo. Preferiu afrontar o
anfitrião com uma visita a sua aliada de longa data, a ex-presidente Cristina
Kirchner, ícone da oposição peronista que cumpre pena em prisão domiciliar após
ser condenada por gestão fraudulenta em novembro.
A afonia bilateral só fomenta a discórdia entre as
duas economias mais integradas da região. Na cúpula, o Brasil pode ter
contentado a Casa Rosada ao acatar a ampliação da lista de exceções da união
aduaneira. Mas faltou entendimento sobre a incerta preservação da Argentina no
bloco.
Na condição de presidente do Mercosul neste
semestre, Lula não facilita o cumprimento da promessa de efetivar o acordo
comercial com a União Europeia. A fragilidade da união aduaneira e a ameaça de
debandada de Buenos Aires podem municiar os europeus contrários ao tratado.
Menos promissora mesmo parece a reunião do Brics,
fórum criado com ajuda do empenho do petista a partir de uma perspectiva
ideológica obsoleta baseada em antiamericanismo. Não à toa, o grupo é visto
como antagonista ao Ocidente.
O cenário convulsivo no Oriente Médio e descompassos
nas agendas podem justificar o esvaziamento —além, é claro, da ordem
internacional de prisão contra o russo Vladimir Putin. Não explicam, porém, a
ausência de Xi Jinping. A China, maior economia do bloco, prioriza neste
momento a contenção de atritos comerciais com os Estados Unidos.
Não passa despercebida a complacência do Brasil com
Moscou —incoerente com sua condenação à invasão russa da Ucrânia— e com o Irã,
teocracia que desafia a aversão brasileira à proliferação de armas nucleares.
Tampouco são ignoradas a crescente diluição do
diálogo com os EUA e a resistência em recompor relações com Israel, canal
indispensável até mesmo para atuar em favor dos palestinos.
Não deixa de ser sintomático que o Itamaraty tenha
caído no ridículo, nesta semana, de contestar formalmente um texto da revista
britânicaThe Economist sobre a distância entre as ambições da política externa
de Lula e sua real importância no mundo. É exatamente o que está sendo
demonstrado agora.
Editorial Folha de São Paulo
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