A cada hora, um motociclista ferido dá entrada no
maior hospital público do Rio Grande do Norte, o Walfredo Gurgel. Só entre
janeiro e junho de 2025, em média foram 4.329 pilotos vítimas de acidentes com
motos foram atendidos na unidade — o equivalente à população inteira do
município de Fernando Pedroza, na região Central potiguar, que possui
2.938 habitantes, segundo o Censo 2022 do IBGE.
Em maio deste ano, os atendimentos por acidentes de
moto superaram, pela primeira vez, os registros por AVC e quedas — que
historicamente lideravam o ranking de internações hospitalares no estado.
O dado foi cedido ao g1 durante a
Oficina Regional para Segurança Viária, promovida pela Organização
Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) e realizada nesta terça-feira (22), em Natal.
O custo estimado dessas hospitalizações foi de R$ 30
milhões, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde. O valor engloba
internação, procedimentos cirúrgicos, reabilitação e, em muitos casos, a
colocação de órteses e próteses.
“De 1% a 3% do Produto Interno Bruto dos
países da América Latina é perdido com os sinistros de trânsito. São custos
tangíveis e intangíveis. Estamos gastando para reparar os danos da insegurança,
em vez de investir na prevenção e garantir que vidas não sejam perdidas por essa
causa”, afirmou Ricardo Pérez-Núñez, assessor regional em segurança viária da
OPAS.
“O Walfredo virou a linha de frente do
trauma no estado, e a raiz do problema está fora do hospital. A gente não está
promovendo nem prevenindo: só tratando as consequências”, diz Geraldo Neto,
gestor da unidade hospitalar.
Perfil das vítimas: piloto, sem
habilitação e a caminho do trabalho
Entre os 153 pacientes entrevistados em uma pesquisa
interna do hospital, 78,4% eram os condutores da motocicleta, e 57,1%
declararam não possuir habilitação para conduzir o veículo. A maioria
utilizava a moto para fins pessoais, e 50% afirmaram que estavam indo ou
voltando do trabalho no momento do acidente.
Mais de um terço dos feridos (36,4%) não utilizava
capacete. E 59% estavam calçando sandálias ou estavam descalços, sem nenhum
tipo de proteção adequada nos pés — o que contribuiu para o alto número de
fraturas, cortes e amputações nessa região do corpo, segundo os pesquisadores
do hospital.
A Grande Natal concentrou a maior parte dos
acidentes. Só a capital foi responsável por 23% das ocorrências, seguida por
Parnamirim (7,4%), Extremoz (5,4%), Touros (4,7%), Macaíba (4,1%) e São Gonçalo
do Amarante (2,7%).
“Até os anos 70 e 80, a motocicleta era,
em geral, um segundo veículo de rico, associado à diversão. Depois, foi
incorporada como modo de trabalho por segmentos sociais diversos. Adotamos um
modelo de mobilidade baseado no transporte individual motorizado, e isso não
poderia dar em outra coisa”, avalia Victor Pavarino, oficial técnico
em segurança viária da OPAS/OMS. “O sistema entrou em colapso — tanto do ponto
de vista dos sinistros quanto da eficácia da mobilidade. É o retrato da
falência de um modelo que precisa ser revisto”.
Cenário nacional: mortes em alta,
efetividade da fiscalização em baixa
Em 2024, o Brasil registrou 73.114 acidentes de
trânsito nas rodovias federais — o maior número desde 2015. No ano
anterior, o
país somou 34,8 mil mortes no trânsito, segundo o Atlas da
Violência. As motocicletas são as principais vítimas com 38,6% dos óbitos no
trânsito no país.
No mesmo período, o país bateu
recorde de fiscalização com infrações de trânsito — 74,9 milhões de multas
aplicadas —, no entanto, teve apenas 290 mil CNHs suspensas, o menor
número desde 2013. Segundo especialistas, a flexibilização do Código de
Trânsito Brasileiro, que ampliou de 20 para 40 pontos o limite antes da
suspensão, contribuiu para esse cenário.
Além disso, multas por não indicação do condutor
(NIC) — quando empresas não informam quem dirigia no momento da infração
— passaram
de 68 mil para 3 milhões em uma década, mas não resultam em pontos na
habilitação de ninguém.
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