Cláudio Oliveira
Repórter
Nas terras macaibenses, vizinho à Natal, um aroma
singular percorre a propriedade rural do empresário Mano Targino. É onde
repousam por até 18 meses as patas traseiras de uma linhagem especial de porcos
pretos, da mesma raça ibérica usada para produzir o cobiçado “jamón pata negra”
espanhol, considerado o melhor presunto do mundo, que em nada se assemelha ao
alimento ultraprocessado vendido nos supermercados. Longe – mas não tanto – do
alvoroço da cidade, a iguaria que poderia facilmente estar em mesas
sofisticadas da Itália, Espanha ou Portugal é produzida na Pata Negra Country,
onde recentemente também passou a ser produzida uma das melhores goiabadas do
país, a goiabada cascão artesanal, de Minas Gerais.
No RN, o presunto artesanal recebe o nome de
“Presunto Cru Cangaíra” – em virtude da patente europeia – e se consolida como
um dos mais raros e refinados do país, conquistando paladares exigentes e se
estabelecendo como um dos mais surpreendentes do gênero. A propriedade atrai,
inclusive, o turismo gastronômico.
Mano Targino explica que segue o mesmo rigor das
técnicas seculares europeias para produzir o Cangaíra. A carne vem
exclusivamente da parte traseira do porco preto — a mesma raça utilizada na
produção europeia. A diferença é que, sob o calor e a umidade nordestina, o
sabor do “Velho Mundo” foi adaptado, aprimorado e, sobretudo, nacionalizado. “É
sal e paciência”, resume Mano, com a precisão de quem já percorreu duas décadas
na arte de transformar carne suína em joia gastronômica.
O diferencial está no detalhe. Se na Europa a cura
ocorre em cerca de 12 meses, graças ao clima ameno e seco, no RN são
necessários até 18 meses para atingir o mesmo ponto. Além disso, Mano optou por
substituir, em 2021, todas as matrizes da raça Large White — tradicional em
Parma — por porcos da raça preta, os mesmos criados no norte de Portugal e sul
da Espanha. “Eu produzo tudo aqui. Tenho a criação de porcos da raça preta, que
tem a pata preta, por isso recebe esse nome. Utilizo a pata traseira, que eu acho
mais saborosa do que a dianteira”, revela.
A escolha da raça foi mais do que estética ou
gustativa: foi estratégica. “Na Europa os animais passam seis meses comendo a
ração, milho, soja, e nos últimos dois meses a belhota, ou bolota, um tipo de
castanha que cai da azinheira, árvore nativa da Península Ibérica. Isso
valoriza muito o presunto, que pode chegar a 1.800 euros o quilo. No entanto,
segundo Mano, a diferença real de sabor é mínima. “Se eu servisse aqui dois
presuntos, um com e outro sem a bolota, dificilmente você saberia qual é qual.
Mas o marketing deles é fortíssimo”.
A produção de presunto também é controlada. Em anos
com menor demanda, como 2024, Mano diminui a criação. Em média, são produzidas
200 a 240 peças por ano. Cada porco rende duas patas, e o peso final varia:
começa com 14 quilos e termina com cerca de 6 quilos após a cura. A produção
não é sob encomenda, mas é limitada.
Hoje, o produtor oferece dois tipos principais de
presunto cru: um mais macio e cru, semelhante ao prosciutto italiano, e outro
mais curado, ao estilo espanhol e português. “O cliente que conhece, escolhe o
tipo que prefere. A diferença está no tempo de cura e na maciez da carne”,
detalha Mano. A maturação mais longa dá ao presunto nacional um sabor mais
tenro, com menos umidade e maior concentração de sabor.
Turismo gastronômico
Além da venda, Mano transformou a fazenda em destino
de turismo gastronômico rural. Ali, entre a cave subterrânea e um mirante com
vista para a vegetação de Macaíba, ele recebe grupos — sob agendamento — para
almoços exclusivos. O ambiente replica a atmosfera europeia, mas com identidade
sertaneja: paredes de tijolos aparentes, barris antigos e utensílios artesanais
compõem o cenário.
A divulgação é feita pelo instagram da propriedade.
Mano conta que há meses em que a maior parte dos visitantes vem de fora, mas a
experiência é sempre a mesma: conhecer, degustar e valorizar os produtos da
terra. “Não é restaurante aberto. É só por reserva, no mínimo oito pessoas. Tem
mês que vem só gente de fora, e tem mês que é só gente daqui”.
O cardápio inclui iguarias preparadas com os
próprios produtos da fazenda e uma verdadeira imersão no processo de produção.
“As pessoas descem na cave, veem o presunto maturando, sobem para almoçar com
vista para o campo. É uma experiência que vai além do paladar.”
A goiabada que conquistou Minas
A expertise de Mano Targino não se limita à carne
suína. Neste ano, ele resolveu investir também na produção da goiabada cascão
artesanal, uma receita tradicional, mas com toque potiguar. Feita em panela
elétrica — a única parte não manual do processo —, a goiabada alcançou fama que
atravessou fronteiras. “Tem cliente em Minas Gerais que compra a nossa goiabada
e paga frete caro para levar pra lá, porque, segundo eles, está melhor que a de
lá”.
A explicação dele sobre sua goiabada superar a
mineira é comercial. Optar pela qualidade ao invés da quantidade traz
diferencial ao novo produto da Pata Negra Country. “Estive em Minas em 2023 e a
qualidade da Goiabada Cascão deles caiu muito. Eles aumentaram a produção e
começaram a usar mais aditivo químico para conservar por mais tempo.
Conseqüentemente, cai a qualidade”, explica Targino.
É por isso que ele prefere limitar a sua produção,
preservando a qualidade e o sabor original. São apenas 200 quilos por mês,
feitos com frutas selecionadas. “Se aumentar muito, perde-se o cuidado e entra
o aditivo químico, que altera o sabor. A gente não quer isso”.
Sucessão familiar: o futuro em boas mãos
A sucessão familiar é, para Mano, a garantia de que
o sabor europeu com alma nordestina seguirá vivo. Aos 64 anos e enfrentando
problemas de saúde, ele planeja o futuro com expectativas em um dos filhos, que
tem 33 anos e já assumiu boa parte das atividades. “Cuida da fazenda, da ração
dos animais, de tudo isso. Vai ser ele o sucessor. Hoje eu quero mais usufruir.
Trabalhei muito”, aponta o empresário.
A história do presunto potiguar começa impulsionada
pela memória olfativa da infância. Nascido em Messias Targino, Mano se lembra
do cheiro do presunto defumado feito pelo avô, com pó de serra e técnicas
rudimentares. No início de 2020, já morando em Macaíba e criando porcos,
decidiu tentar replicar a experiência. “Os amigos souberam, provaram e
começaram a pedir pra eu fazer. Defumei mais de 100 peças dessas para vender
para os amigos”, relembra.
A partir daí, o sabor agradou, mas o problema era a
conservação. A defumação artesanal não sustentava o frescor por muito tempo.
Foi então que um mineiro, conhecedor do presunto cru europeu, o desafiou: “Por
que você não faz tipo Parma?” A ideia pareceu distante, mas Mano mergulhou de
cabeça. Ele visitou países da Europa e se dedicou a estudar como alcançar a
excelência. Passou por uma série de experimentos e fracassos antes de atingir o
nível de qualidade que hoje equipara seu produto ao melhor do mundo. “No
início, perdi mais de 100 peças. Só não desisti porque já criava os porcos e
não fiz as contas do prejuízo”.
Foi com paciência, curiosidade e apuro técnico que
Mano construiu a reputação do seu presunto cru, cuja marca homenageia o lugar
onde nasceu, Cangaíra, em Messias Targino (RN).
A virada veio em 2008, quando finalmente conseguiu
produzir uma peça de qualidade. Quatro anos depois, já estava vendendo em loja
própria em Natal. Mas foi em 2016 que ele diz ter atingido o que considera o
ápice da produção: um presunto com o mesmo nível de excelência dos europeus.
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