STF incentiva tumulto e censura ao legislar sobre a
internet
Ao substituir dispositivo aprovado em 2014 pelo
Congresso por regramento vago, corte fragiliza a liberdade de expressão
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal
já havia decidido, há duas semanas, cometer o erro de derrubar um dispositivo
legal sobre conteúdos na internet aprovado pelo Congresso há mais de dez anos,
cujo texto explicita o "intuito de assegurar a liberdade de expressão e
impedir a censura".
Faltava avançar com um segundo erro: arbitrar de
modo casuístico um novo regramento sobre o tema, atropelando a competência dos
legisladores eleitos. Isso foi feito na quinta-feira (26).
Por 8 votos a 3, o STF declarou parcialmente
inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet, de 2014, segundo o qual
as redes sociais só poderiam ser responsabilizadas por postagens de usuários se
descumprissem ordem judicial de remoção.
Depois de confabulações durante um almoço prolongado
antes da sessão, os magistrados resolveram impor, entre outras normas laterais,
uma lista de conteúdos a serem removidos de imediato, antes de determinação da
Justiça, pelas plataformas.
Nesse rol estão publicações que configurem, por
exemplo, terrorismo, pornografia infantil, discriminação racial, tráfico de
pessoas, indução ao suicídio, violência contra mulheres e condutas que atentem
contra a democracia e o Estado de Direito.
Não é segredo para ninguém que foi este último item
da lista que de fato moveu a decisão da corte —com as exceções dos ministros
André Mendonça, Edson Fachin e Kassio Nunes Marques. E é aí que residem os
maiores riscos da corrente cruzada pela regulação das redes sociais.
Se a pornografia infantil pode ser facilmente
identificada, para ficar num único caso, o mesmo não se dá com o que pode ou
não caracterizar um ataque à democracia. Interpretações elásticas de
magistrados nessa seara terão o potencial de incentivar censura a meras
críticas, contestações e embates políticos.
Ainda que não tenham prevalecido entendimentos mais
radicais sobre a responsabilização das plataformas, tampouco resta claro como
serão aplicados os ditames do Supremo.
A tese de repercussão geral aprovada estabelece que
não haverá punição para episódios isolados, mas sim quando se detectar
"falha sistêmica" —definida como "deixar de adotar adequadas
medidas de prevenção ou remoção dos conteúdos ilícitos".
Não é difícil imaginar que uma norma tão vaga vá
provocar questionamentos judiciais de todo tipo, fomentando insegurança.
Não parece por acaso que o texto do STF faça o que
soa como reconhecimento de sua intervenção canhestra: "Apela-se ao
Congresso Nacional para que seja elaborada legislação capaz de sanar as
deficiências do atual regime quanto à proteção de direitos fundamentais".
Ocorre que a lei já existe, e eventuais
aperfeiçoamentos dependem de entendimentos políticos. Quem fragilizou um
direito fundamental, o da livre expressão, foi a corte mais alta do país.
Editorial Folha de São Paulo
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