Uma compra de carteiras escolares pelo FNDE (Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação) foi aprovada em 2024 por 50% a mais
que o valor de mercado desses itens.
O custo ficou em R$ 3 bilhões, R$ 1 bilhão acima do
que seria com os preços estimados pela CGU (Controladoria-Geral da União) em
2022 ao analisar o edital.
Um conjunto para mesa para professor que custava R$
368,88 em 2022 (reajustado pela inflação, R$ 387,55) teve sua compra aprovada
por até R$ 1.072, por exemplo, segundo os preços homologados pelo FNDE em um
pregão no ano passado.
Foram registradas atas de preços, documentos que
autorizam o governo federal ou outros órgãos a comprar das empresas vencedoras
do pregão pelos valores registrados quando houver necessidade. Essas atas valem
até setembro deste ano.
Com base nessas atas, já foram firmados 14 contratos
por diferentes órgãos públicos no país, com valor total de R$ 21,9 milhões,
permitindo compras até 2026. Apenas uma pequena parte da compra foi efetivada
até agora, portanto.
Restrições questionadas
Segundo empresas que ficaram de fora do pregão
eletrônico, o prazo dado pelo ministério para obter a documentação para
participar do certame não foi suficiente, o que acabou restringindo a
competitividade.
“No termo de referência do edital, há a exigência de
laudos e documentos de itens lançados há pouco no mercado (…), não sendo
possível o atendimento de tais exigências pela grande maioria dos
fornecedores”, alegou a MC Indústria e Comércio de Móveis Ltda.
O FNDE pediu laudos e certificações que não são
exigidas pelo Inmetro, para os quais esses fornecedores disseram não estar
prontos. O fundo, porém, rejeitou esses recursos, argumentando que os laudos
seriam necessários para garantir a qualidade.
“Exigir laudos e certificações de mobiliários escolares
é crucial por várias razões”, disse o FNDE em resposta a um recurso. “Primeiro,
garantem a segurança dos alunos, assegurando que os móveis atendem a normas que
reduzem riscos de acidentes e lesões.”
“Segundo, a certificação garante a durabilidade dos
produtos, fabricados com materiais de qualidade e processos adequados,
resultando em móveis mais resistentes ao uso intenso. Além disso, a ergonomia é
fundamental: móveis certificados proporcionam conforto e evitam problemas de
saúde, como dores nas costas e problemas posturais.”
O FNDE é um órgão vinculado ao Ministério da
Educação, responsável pelas aquisições de materiais, equipamentos e obras nas
escolas. É comandado por Fernanda Pacobahyba. Servidora de carreira
do estado do Ceará, ela é próxima do ministro da Educação, Camilo Santana (PT),
e foi secretária da Fazenda quando Camilo governou o estado.
No governo Jair Bolsonaro, o órgão foi entregue ao
PP e enfrentou investigações sobre irregularidades em repasses para
prefeituras.
Questionamento da CGU
O edital tinha sido alvo de questionamentos da CGU
em 2022, ainda no governo Bolsonaro. O órgão de controle apontou um risco de
sobrepreço de R$ 1,6 bilhão e pediu que o FNDE refizesse o edital e a pesquisa
de preços.
Um dos problemas apontados pela CGU —a quantidade
exagerada de móveis prevista, de 10 milhões de carteiras— foi corrigido, mas os
preços do pregão, realizado em junho de 2024 e vencido por sete empresas,
continuaram acima da média de mercado.
De acordo com o edital publicado pelo FNDE, a inflação
em 2023 para móveis escolares pode ser estimada em por volta de 5%. Os preços
aceitos pelo FNDE, porém, são até 176% maiores que as referências usadas pela
CGU em 2022.
O pregão permite comprar 4,5 milhões de carteiras
escolares de tamanhos variados, incluindo conjuntos para professores e alunos
cadeirantes, num total de R$ 3 bilhões. Os preços estão R$ 1 bilhão acima do
que a CGU havia estimado.
No edital do pregão, o FNDE listou 145 licitações
realizadas pelo Brasil para comprar carteiras escolares entre 2022 e 2023. Na
grande maioria desses certames, os preços ficaram abaixo daqueles aceitos pelo
FNDE, mesmo considerando a inflação.
Procurado, o FNDE disse que “as certificações
exigidas seguem normas de segurança e sustentabilidade, protegendo estudantes e
assegurando responsabilidade ambiental”.
“Com ampla participação de fornecedores de diversas
regiões, a licitação garante abrangência nacional e otimização logística,
beneficiando milhares de municípios. O FNDE reafirma seu compromisso com a
educação pública, garantindo padrões de qualidade que promovam conforto e
dignidade aos estudantes”, afirmou o órgão ao UOL.
Cotação de preços
Segundo a CGU, um dos motivos das estimativas de
preço infladas do primeiro edital foi a inclusão no cálculo de propostas de
preços enviadas por firmas da Abime (Associação Brasileira das Indústrias de
Móveis Escolares), que estavam acima do valor de mercado.
Empresas da associação sugeriram vender por R$ 786
um conjunto de carteira escolar que custava em média R$ 374,90, por exemplo.
A controladoria recomendou que as propostas fossem
excluídas e que fosse considerada apenas a estimativa das compras realizadas no
Comprasnet (hoje Compras.gov.br).
No pregão de 2024, o governo optou por usar
estimativas de preço sigilosas. As empresas que conseguiram participar
competiram entre si pelos melhores lances.
Os lotes foram divididos por região, considerando as
diferenças de preço em cada local do Brasil, e uma empresa diferente venceu
cada um deles.
Algumas das vencedoras pertencem à Abime e foram
responsáveis pelas propostas de preço questionadas pela CGU. Procurada, a Abime
disse que não tem conhecimento específico sobre o pregão e que, por isso, não
tem condições de se manifestar.
As empresas que venceram o pregão são a Delta
Produtos e Serviços, Incomel Indústria de Móveis, Indústria e Comércio Móveis
Kutz, Maqmóveis Indústria e Comércio de Móveis, Milanflex Indústria e Comércio
de Móveis, Movesco e Tecno 2000.
Apenas a Maqmóveis respondeu ao contato da
reportagem. “A empresa considerou todas as normas de segurança obrigatórias
para os produtos, bem como os requisitos específicos dos móveis e as
particularidades tributárias e logísticas de cada estado e região”, disse a
empresa.
“A Maqmóveis declara, ainda, que cumpriu
integralmente a legislação vigente e os termos do edital, com preços
compatíveis com os de mercado e inferiores aos de inúmeros outros licitantes,
tendo vencido três lotes.”
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