A solidão de Haddad
Tarefa do ministro da Fazenda em defesa da política
fiscal ficará mais difícil com a chegada de Gleisi, que desde sempre trabalhou
para prejudicar os poucos esforços de contenção de gastos
A turma do deixa-disso bem que tentou apaziguar os
ânimos, mas não há como não vincular a chegada da deputada Gleisi Hoffmann
(PT-PR) à Secretaria de Relações Institucionais ao ocaso do ministro da
Fazenda, Fernando Haddad. A nomeação da presidente do PT ao cargo não deixa
dúvidas sobre o caminho que o governo Lula da Silva seguirá na segunda metade
de seu mandato. Nele, o espaço de Haddad tende a ser ainda mais restrito do que
já é.
O ministro da Fazenda já viveu dias bem melhores no
governo. Se no início foi visto como o nome capaz de garantir a credibilidade
da política econômica de Lula da Silva, hoje o ministro parece atuar, e mal,
apenas para reduzir danos e impedir um desastre. Ninguém, nem no governo nem
fora dele, acredita que Haddad será capaz de convencer o presidente a promover
as mudanças de que o País tanto precisa.
Seu pacote fiscal, prometido entre o primeiro e o
segundo turno das eleições municipais, foi abertamente criticado por colegas da
Esplanada dos Ministérios, como Luiz Marinho (Trabalho) e Carlos Lupi
(Previdência), e internamente boicotado por Rui Costa (Casa Civil). Pior: como
que a enquadrá-lo, o governo deu a Haddad a inglória missão de anunciar o plano
em cadeia nacional de rádio e TV, em uma versão não apenas esvaziada como associada
a uma promessa populista de isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$
5 mil mensais.
Era algo previsível. Antes mesmo de assumir a
Presidência, Lula já havia limitado sobremaneira o arsenal de medidas de
controle de gastos à disposição de Haddad, ao apadrinhar uma emenda
constitucional que permitia impulsionar os gastos muito além da justa
recomposição das políticas públicas destruídas pelo bolsonarismo. À época, foi
justamente Gleisi Hoffmann quem defendeu a estratégia que, para ela, era a
única forma de cumprir as promessas de campanha.
Com a emenda promulgada, Haddad tomou para si a
tarefa de criar um mecanismo de contenção fiscal para substituir o
desmoralizado teto de gastos. Assim o fez, e rapidamente conseguiu apoio para
votá-lo na Câmara e no Senado. Na contramão de Haddad, Gleisi Hoffmann
trabalhou para restabelecer os pisos constitucionais de saúde e educação e
impedir que as regras do novo arcabouço incidissem sobre eles, em oposição à
proposta da equipe econômica.
Mal conseguiu aprovar o arcabouço fiscal na Câmara,
Haddad engoliu outro sapo já no dia seguinte ao feito. Sob a liderança dos
deputados do PT, que só votaram a favor da proposta porque Lula mandou, o
Legislativo aprovou a política de valorização do salário mínimo e garantiu ao
piso ganho real equivalente à variação da inflação e ao avanço do Produto
Interno Bruto (PIB) registrado dois anos antes – mais uma medida com regra de
reajuste próprio, a ignorar o limite de despesas do arcabouço fiscal
recém-aprovado.
Como esperado, os pisos de saúde e educação e o
salário mínimo rapidamente comprimiram o espaço dos investimentos e das emendas
parlamentares no Orçamento. E Gleisi não hesitou. Se no fim do ano anterior
havia criticado o que considerava ser um “austericídio fiscal” defendido por
Haddad, no ano seguinte, vaticinou: “Entre mexer na vinculação do salário
mínimo e mudar o arcabouço, tem de mudar o arcabouço. Simples assim”. E assim,
contrariado, Haddad mudou as metas fiscais de 2025 e 2026 que havia anunciado um
ano antes.
Bem se sabe que o trabalho do ministro da Fazenda
não é trivial. Cabe a ele dizer “não” quando o restante do governo busca o
“sim”. Mas tudo fica ainda mais difícil quando quem diverge é Gleisi Hoffmann,
que, para minar os poucos esforços do governo na contenção de gastos, trabalha
com mais afinco do que muitos parlamentares da oposição.
Em entrevista ao G1 na última quarta-feira, Gleisi
disse que fará “tudo o que for possível para garantir 2026”, ou seja, a
reeleição de Lula. Pela forma como atuou nos dois primeiros anos do mandato do
petista, não é exagero algum afirmar que a deputada e futura ministra vê na
política econômica defendida por Haddad o maior obstáculo à reeleição do
presidente. Logo, não poupará esforços para debilitá-la ainda mais. A diferença
é que, a partir de agora, o fará não mais nas reuniões internas do partido ou
da tribuna da Câmara, mas de um assento dentro do Palácio do Planalto.
Opinião do Estadão
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