A Abin (Agência Brasileira de Inteligência), sob o
atual governo Lula (PT), executou uma ação hacker contra autoridades do governo
do Paraguai. O planejamento da operação de espionagem teve início ainda na
gestão da agência durante o governo Bolsonaro (PL), mas a ação foi executada
com a autorização do atual diretor da Abin de Lula, Luiz Fernando Corrêa.
O UOL apurou que a ação invadiu computadores para
obter informações sigilosas relacionadas à negociação de tarifas da usina
hidrelétrica de Itaipu, que é objeto de disputa comercial entre os dois países
há muitos anos.
A ação foi descrita em detalhes em depoimento —
obtido com exclusividade pelo UOL — prestado à Polícia Federal por um servidor
da Abin que participou diretamente da ação. Um segundo agente da Abin também
relatou à PF a existência da operação. O UOL ainda confirmou os fatos com uma
terceira pessoa que teve acesso a informações detalhadas da ação.
De acordo com o depoimento do agente, a ação
resultou na captura de dados de diversos alvos ligados à cúpula do país
vizinho.
A operação aconteceu meses antes de o governo
brasileiro fechar um novo acordo sobre os valores pagos ao Paraguai por energia
vendida ao Brasil, em maio de 2024. Porém, o agente não explicou se as
informações obtidas na ação da Abin foram usadas para favorecer o Brasil na negociação.
A PF apura agora se a operação hacker contra o
governo do Paraguai teve caráter ilegal.
Procurados, o diretor Luiz Fernando Corrêa e a
assessoria de imprensa da Abin não se manifestaram. O espaço segue aberto para
posicionamento.
A investigação faz parte de inquérito que apura
desvios da Abin sob a gestão do ex-diretor Alexandre Ramagem, no governo
de Jair Bolsonaro (PL), mas que também passou a detectar suspeitas de
irregularidades envolvendo o atual diretor.
Esse depoimento foi prestado em novembro do ano
passado por um servidor concursado da Abin há mais de 20 anos, que atuou na
área de inteligência. Ele participou tanto de operações na gestão de Ramagem
como também da ação hacker que relatou à PF.
O UOL teve acesso com exclusividade à
transcrição do interrogatório, enviada sob sigilo ao STF (Supremo
Tribunal Federal).
Para preservar a segurança do agente da Abin em
operações de campo, a reportagem optou por omitir o seu nome. Um segundo
servidor da Abin também confirmou à PF a existência dessa operação, mas não deu
detalhes por não ter participado diretamente dela.
Intrusão em computadores
De acordo com o agente, a ação envolveu o uso de um
programa chamado Cobalt Strike, usado para invasão de dispositivos de
informática.
“O Cobalt Strike era uma ferramenta utilizada para o
desenvolvimento de um artefato de intrusão em computadores do governo paraguaio
para dados relacionados à negociação bilateral de Itaipu […] O objeto da
operação era a obtenção dos valores que seriam negociados do anexo C dos valores
de venda de energia produzida por Itaipu”, afirmou o agente da Abin à PF.
O chamado anexo C do tratado sobre a divisão de
energia assinado entre Brasil e Paraguai em 1973 estabelece as bases
financeiras de comercialização da energia de Itaipu.
A energia gerada pela usina é dividida igualmente
entre os dois países. Como o Paraguai tem uma demanda menor, vende parte de sua
energia para o Brasil. Essas condições estão estabelecidas no anexo C do
tratado.
A ação da Abin ocorreu em um momento estratégico das
negociações sobre esse assunto. O tratado previa que os valores da tarifa de
energia e as condições de comercialização voltariam a ser discutidas em 2023.
Nos últimos anos, os governos do Paraguai vinham pressionando o Brasil para
aumentar o valor pago pela energia excedente do país vizinho.
Em maio do ano passado, o ministro de Minas e
Energia, Alexandre Silveira, fechou um acordo com o presidente do Paraguai,
Santiago Peña, no qual o Brasil aceitou aumentar a tarifa paga pela energia de
Itaipu, mas abaixo do valor pedido pelo Paraguai.
Na ocasião, o governo brasileiro também abriu a
discussão para negociar as condições do anexo C do tratado.
Ataques hackers não partiram do Brasil
Segundo o servidor da Abin, a ação hacker não foi
feita a partir do Brasil. Agentes da Abin fizeram três viagens para o Chile e o
Panamá para montar servidores virtuais, de onde foram disparados os ataques.
Os alvos seriam “autoridades relacionadas
diretamente à negociação e aos valores a serem cobrados por megawatt”, disse o
agente. “Foram invadidos o Congresso paraguaio, Senado, Câmara e Presidência da
República”, revelou.
O agente da Abin relatou que foram executadas ações
para capturar senhas e dados de usuários das autoridades do Paraguai, com o
objetivo de ter acesso a informações sensíveis para a negociação das tarifas de
Itaipu.
“Foram capturadas [informações] de cinco ou seis
pessoas”, confirmou o agente à PF, sem contudo revelar as identidades. O
servidor também não detalhou as informações obtidas e a data ou período em que
a operação foi realizada.
Autorização dos diretores
A PF perguntou ao agente da Abin se as ações eram de
conhecimento da cúpula da agência e se tiveram a autorização dos diretores.
Ele explicou que o plano de operação foi
inicialmente aprovado pelo então diretor da Abin Victor Carneiro, que comandou
a agência no final do governo Bolsonaro como sucessor de Ramagem.
Segundo o servidor da Abin, a operação obteve o aval
de diretores seguintes do órgão, incluindo o atual, Luiz Fernando Corrêa.
Em seu depoimento, o agente disse que um dirigente
da Abin “apresentou pessoalmente” a operação para o atual diretor da agência.
“Luiz Fernando teria vibrado, gostou muito, que era a primeira vez que se
sentia numa atividade de inteligência”, relatou o servidor à PF.
Homem de confiança do presidente, Luiz Fernando
Corrêa é delegado de Polícia Federal aposentado e chegou a comandar a
corporação durante o segundo governo Lula.
A nomeação dele para comandar a Abin no terceiro
governo Lula desagradou o atual diretor da PF, Andrei Rodrigues, que havia
tentado emplacar um nome de sua confiança para o órgão. Nos bastidores da Abin,
o avanço das investigações da PF sobre a atual gestão da agência é visto como
um desdobramento dessa disputa de poder.
O foco inicial da apuração da PF foi o uso da
estrutura da agência pelo ex-diretor Alexandre Ramagem para espionar
adversários políticos do governo Bolsonaro e atuar em defesa dos filhos do
então presidente. As provas apreendidas ao longo da apuração, entretanto,
resultaram na descoberta de suspeitas de irregularidades envolvendo as gestões
seguintes.
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