Por: Blog
do Dina
No mundo das repartições, onde a burocracia é deusa
e a moral vive encostada numa cadeira quebrada, o escândalo nem sempre grita.
Às vezes, ele sussurra, com timbre de ofício e carimbo quente em diárias
operacionais. Em Natal, no coração do sistema penitenciário estadual, esse
sussurro virou documento. E tem data, número de protocolo e um cheiro antigo de
repetição.
O Ministério Público do Rio Grande do Norte recebeu
uma denúncia anônima. Era sobre dinheiro. Sempre é. Diárias operacionais.
Gratificações escondidas debaixo do tapete da legalidade. A suspeita:
diretores, vice-diretores, chefes de tudo quanto é setor, e até os da
Corregedoria — inclusive em home office — estariam embolsando valores como se
estivessem na linha de frente do caos. Mas estavam mesmo era atrás de mesas, às
vezes de suas casas.
A 70ª Promotoria de Justiça abriu o que chama de
Notícia de Fato nº 02.23.2131.0000031/2025-83. Queria explicações da SEAP.
Mandou ofício. O secretário atual teria quinze dias para contar sua versão. Mas
o que interessa mesmo é o que veio no parecer do Ministério Público de Contas,
que deu nome ao que antes era apenas murmúrio institucional.
Pedro Florêncio Filho, ex-secretário da pasta,
surgiu nos autos como o homem que firmou o acordo. Um TAC (Termo de Ajustamento
de Conduta) assinado em 2019 com o MPRN, para legalizar o ilegal sob a
justificativa da emergência: o sistema estava colapsado, os servidores
exaustos, e o dinheiro era uma forma de aliviar a pressão. Só que a exceção
virou rotina.
O MPC foi taxativo: o TAC não podia eternizar o
descontrole. Ele era emergencial, transitório, mas virou estratégia de gestão.
E aí está o coração da irregularidade: o pagamento de diárias operacionais como
substituto de gratificações, o estouro do limite legal de 20 diárias por mês
(ou 10, para quem trabalha em regime de plantão de 24h), e a ausência total de
controle sobre voluntariedade e jornada de trabalho.
A Sacanagem das Diárias Operacionais
A auditoria confirmou:
– 30% da folha da SEAP foi gasta com diárias operacionais entre janeiro e junho
de 2022;
– Servidores administrativos, motoristas de van, policiais cedidos a outros
órgãos e familiares de gestores recebiam como se estivessem em campo de
batalha;
– Gente em teletrabalho também ganhou, sem fiscalização alguma;
– Diretores e vice-diretores recebiam as diárias como forma de compensação pela
ausência de funções gratificadas, o que contraria frontalmente a Lei
Complementar nº 664/2020.
Essa lei é clara como o sol de meio-dia: quem recebe
por “subsídio” não pode ganhar nenhuma gratificação extra. Nem prêmio, nem
adicional, nem nada. Só o que a lei diz. Mas a prática virou outra: alguns
dobravam o salário com diárias, como se o regime de plantão fosse balcão de
negócios e não escala de trabalho.
O parecer do MPC é um tapa com luva de acórdão: a
SEAP precisa suspender imediatamente os pagamentos irregulares, comprovar
voluntariedade, revisar as jornadas e, sobretudo, parar de usar diária como atalho
para pagar função de chefia.
E assim, sob os escombros da legalidade, o que
deveria ser exceção virou uma espécie de economia paralela dentro do
Estado. Uma economia que veste o fardamento da lei, mas dorme com a lógica
do privilégio.
Há inocentes nos porões do poder. Mas há os
que se fazem de técnicos enquanto gozam como amantes dos atalhos. São
esses que, noite após noite, dormem com a consciência tranquila e a conta
bancária cheia, convencidos de que o crime só existe do lado de fora da grade.
O caso está no TCE, além do GAECO do MP.
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