O setor privado nos Estados Unidos apresentou à Casa
Branca uma extensa lista de medidas já aplicadas ou em discussão que
supostamente restringem o acesso de companhias americanas ao Brasil e distorcem
a concorrência em terceiros mercados.
A relação inclui linhas de crédito do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), taxas como o Adicional ao Frete
para a Renovação da Marinha Mercante, cotas para conteúdo nacional no cinema e
na TV paga, itens do projeto de lei que regula a inteligência artificial no
país (recém-aprovada pelo Senado) e até uma proposta do Ministério da Fazenda
para ampliar o poder antitruste contra as big techs.
Essas medidas aparecem entre as 747 contribuições
enviadas ao USTR, o escritório de representação comercial, que deu prazo até 11
de março para que interessados se manifestassem sobre a nova política comercial
do governo de Donald Trump.
A oitiva tem como objetivo, nas palavras do próprio
USTR, ajudar a Casa Branca a “avaliar e identificar qualquer prática comercial
injusta ou sem reciprocidade” por parte de outros países.
O Conselho das Américas (Council of the Americas),
que reúne mais de 200 multinacionais com presença nos países da região, pediu
cautela na adoção de sobretaxas contra parceiros comerciais e recomendou à Casa
Branca “liderar pelo exemplo”.
No entanto, chamou a atenção para uma série de
“barreiras comerciais” e elaborou uma lista como “ponto de partida” para
eventuais negociações.
No caso do Brasil, aparecem questões como:
- Cotas
mínimas de pelo menos três horas e meia semanais de filmes, séries ou
documentários nacionais na programação em horário nobre de canais da TV
paga.
- Cotas
para a exibição de conteúdo nacional, renovadas recentemente até 2033, em
cinemas (variando conforme o número de salas).
- Projeto
em tramitação no Congresso (PL 2.331/22) que estende a cobrança da
Condecine, taxa hoje incidente sobre a exploração comercial de obras
audiovisuais, para as plataformas de streaming. Haveria alíquota de até 3%
sobre a receita bruta das empresas.
Já a Associação das Indústria de Comunicações e
Informática (CCIA) lista duas propostas que podem, em sua visão, impor
restrições à operação de empresas americanas do setor no Brasil:
- Pontos
do PL 2.338/23, projeto que regulamenta a inteligência artificial no país,
aprovado pelo Senado em dezembro e agora em tramitação na Câmara dos
Deputados.
- Proposta
do Ministério da Fazenda, ainda não enviada ao Congresso Nacional, que
amplia o poder do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para
atuar em aspectos concorrenciais das big techs. A ideia é fiscalizar mais
e conter “práticas anticompetitivas”, nas palavras da equipe econômica, de
empresas como Google, Meta, Amazon e Microsoft.
Enquanto isso, a Federação Exportadora de Carnes dos
EUA (USMEF) aponta um potencial de vendas anuais de US$ 50 milhões a US$ 80
milhões de carne bovina e de US$ 12 milhões a US$ 15 milhões de carne de porco
para o mercado brasileiro.
Há diversas barreiras, segundo a USMEF, que impedem
o aproveitamento desse potencial: fechamento atual do mercado para carne de
porco americana por razões sanitárias, frequência de testes para Salmonella
variando muito entre as vigilâncias sanitárias estaduais, exigências de
etiquetagem.
A US Wheat Associates, que congrega os produtores de
trigo, reclamou da cobrança ao Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha
Mercante (AFRMM) — uma taxa sobre o valor do frete cobrado por companhias de
navegação que usam os portos brasileiros.
De acordo com a entidade, o desembolso é de 25%
sobre o valor do frete. “De forma frustrante, o maior fornecedor de trigo do
Brasil — a Argentina — não é sujeito à cobrança porque faz parte do Mercosul”,
afirma em carta à Casa Branca.
Além disso, segundo a US Wheat Associates, há
restrições fitossanitárias ao trigo da costa oeste americana por causa do risco
“improvável” de transmissão de pragas para as condições climáticas e práticas
agrícolas do Brasil.
Se essas duas barreiras fossem levantadas, afirma a
associação, poderia haver um aumento de 120 mil toneladas por ano nas
exportações de trigo americano para o mercado brasileiro.
A Associação da Indústria Siderúrgica (SMA), maior
entidade representativa do setor, também encaminhou ofício à Casa Branca
detalhando condutas que considera desleais por parte do Brasil.
Um dos focos é o Finame – Baixo Carbono, uma linha
de crédito subsidiado oferecida pelo BNDES para a compra de sistemas de geração
de energia fotovoltaica e eólica, aquecedores solares, ônibus e caminhões
elétricos, equipamentos com maiores índices de eficiência energética.
Todos os produtos devem ser novos, de fabricação
nacional e credenciados no sistema do BNDES.
O aço é um dos principais focos das sobretaxas de
Trump, que impôs uma tarifa de 25% para todos os fornecedores de produtos
siderúrgicos aos Estados Unidos.
No âmbito da consulta aberta pelo USTR, a Câmara
Americana de Comércio (Amcham Brasil) escreveu uma carta de 15 páginas em que
alerta o governo Trump sobre o risco de prejudicar o interesse das próprias
empresas dos Estados Unidos com a imposição de medidas protecionistas.
A Amcham lembra que o Brasil é responsável pelo
terceiro maior superávit dos Estados Unidos com países do G20 (o grupo das 20
maiores economias do mundo) no comércio de bens.
Em serviços, segundo a entidade, os Estados Unidos
acumulam superávit de US$ 165,4 bilhões com o Brasil no período de 2015 a 2024.
CNN
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