As informações são de O Globo:
O Ministério do Desenvolvimento Social contratou por
R$ 5,6 milhões uma Organização Não-Governamental (ONG) comandada por um
ex-assessor do PT que vem repassando verbas para entidades lideradas por atuais
e ex-auxiliares de parlamentares petistas. O acordo prevê a distribuição de
quentinhas para pessoas em vulnerabilidade social, como a população em situação
de rua. O jornal GLOBO visitou endereços informados ao governo federal e não
encontrou sinais da produção e distribuição de alimentos.
O documento foi firmado em novembro de 2024 no
escopo do programa Cozinha Solidária, lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula
da Silva. O ministério, que tem à frente o petista Wellington Dias, disse que
realizará visitas para monitorar o projeto. “Caso seja constatada qualquer
irregularidade no cumprimento do objeto pactuado ou na utilização dos recursos,
serão adotadas as medidas cabíveis, que podem incluir o corte no repasse de
recursos, a solicitação de devolução dos valores à União e a inabilitação das
cozinhas”, acrescentou a pasta.
A iniciativa está espalhada por 12 estados. Em São
Paulo, o Movimento Organizacional Vencer, Educar e Realizar (Mover Helipa)
venceu o edital de chamamento público. A ONG é comandada por José Renato
Varjão, que trabalhou no gabinete do deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) de
fevereiro de 2021 a janeiro de 2022. Entre março de 2015 e novembro de 2018,
ele assessorou o deputado estadual de São Paulo Ênio Tatto (PT).
Varjão, por sua vez, subcontratou uma teia de ONGs
de atuais ou ex-integrantes de gabinetes petistas para produzir e distribuir as
quentinhas. Uma delas é a Cozinha Solidária Madre Teresa de Calcutá, no bairro
Jardim Varginha, na Zona Sul da capital paulista. O contrato prevê a entrega de
4.583 refeições por mês durante um ano.
O GLOBO esteve na tarde da última quinta-feira no
endereço que a entidade informou ao governo, mas o local estava fechado.
Vizinhos afirmaram que não têm conhecimento da distribuição de marmitas ali. A
ONG pertence a Paula Souza Costa, que até dezembro do ano passado estava lotada
no gabinete do ex-vereador de São Paulo Arselino Tatto (PT), que não se reelegeu
em 2024 — quando o acordo foi celebrado, ela era funcionária do petista.
"Entregamos 250 quentinhas em janeiro. Fiz uma
parceria com o projeto ONG Sueli, que fica no local que vocês visitaram",
disse a ex-assessora por telefone.
A quantidade informada representa 5% do valor mensal
estipulado em contrato — e a distribuição, segundo o documento, deveria ter
começado um mês antes. Mesmo sem ter entregue as refeições em dezembro de 2024,
um recibo assinado por Paula Costa informa o recebimento de R$ 11 mil pelo
“apoio à produção e oferta de 4.583” quentinhas entre 01/12/2024 e 31/12/2024.
O projeto citado por ela é comandado por Sueli Batista,ex-assessora de Arselino
Tatto. Por telefone, ela afirmou que alugou o imóvel e que Paula Costa pediu o
espaço emprestado:
"A gente começou a conversar, mas não está
totalmente definido."
Procurados, Ênio e Arselino Tatto disseram que os
assessores têm um “trabalho social e comunitário sério”. A nota afirma que os
funcionários podem inscrever as ONGs que comandam em programas, sem que isso
passe pelo “prévio conhecimento, aprovação ou acompanhamento” dos
parlamentares.
Apesar de ter informado ao ministério o endereço no
Jardim Varginha, a Cozinha Solidária Madre Teresa de Calcutá está registrada na
Receita Federal em uma localização diferente, também na Zona Sul de São Paulo —
o e-mail cadastrado é o “secretaria.ta to@ig.com.br”. O GLOBO visitou o
espaço, onde não existe estrutura para a produção e distribuição de quentinhas.
Além disso, a entidade apresentou ao governo federal um relatório para
comprovar o serviço que mostra fotos de crianças recebendo os pratos em um
terceiro endereço, pertencente a outra ONG que distribui refeições. Após a
visita da reportagem, um representante da entidade disse que a distribuição de
marmitas ocorre em locais diversos e está em “migração” para o imóvel informado
ao ministério.
A 12 quilômetros dali, uma outra organização também
abastecida com verbas do governo federal teria que entregar 4.583 refeições por
mês. Na última quinta, não havia sinal da atividade na Cozinha Solidária Unidos
Pela Fé. O endereço em Parelheiros, Zona Sul de São Paulo, é a residência de
Claudinei Florêncio, ex-assessor de Arselino Tatto — um adesivo da campanha do
vereador segue colado no portão. Ele reconheceu que, a despeito de o contrato
ter sido assinado em dezembro de 2024 para a entrega imediata, nenhuma refeição
havia sido distribuída:
"Estamos organizando. Recebemos a verba há sete
dias. Acredito que na segunda-feira (3 de fevereiro) começa a todo vapor".
Em prestação de contas apresentada ao governo,
porém, ele afirmou ter entregue 4.583 quentinhas entre 1º e 31 de dezembro do
ano passado. Questionado sobre a divergência de informações, ele não se
manifestou.
Dono da ONG que firmou o acordo com o ministério e
vem subcontratando as outras entidades, José Renato Varjão afirmou que
visitaria os locais para saber se as entregas estavam sendo feitas e tratou
como um acaso a participação de petistas.
"Quem não estiver fazendo as entregas vai ter
que devolver os recursos. Mas não teve influência de parlamentares. Foi mera
coincidência".
Na terça-feira, quatro dias após a ida da
reportagem, ele enviou um vídeo e disse que a Cozinha Unidos Pela Fé estava
sendo inaugurada. A ONG de Varjão atua em um cinturão de bairros de baixa renda
da capital apelidado de “Tattolândia”, reduto da família Tatto.
A verba federal também foi destinada a outras
entidades próximas ao clã político, como a Cozinha Solidária Instituto Rosa dos
Ventos, de Anderson Clayton Rosa, que ainda trabalha como assessor do deputado
federal Nilto Tatto (PT-SP). Contratada para entregar 4.583 quentinhas, a ONG
produziu 400 pratos em janeiro, segundo a prestação de contas. O parlamentar
não se manifestou, e o assessor disse que faz um trabalho de “referência” e que
pode ter ocorrido “algum erro” na documentação enviada ao governo.
Além da família Tatto, a verba abasteceu ONGs
comandadas por ex-assessores de outros políticos do PT, como a Cozinha
Solidária Divino Espírito Santo. A entidade está em nome de um ex-auxiliar do
deputado estadual de São Paulo Luiz Fernando Teixeira (PT). O contrato prevê a
entrega de 4.583 quentinhas por mês na região de Sapopemba, na Zona Leste. O
parlamentar disse que não tem relação com a contratação de ONGs.
No endereço informado ao ministério, funciona uma
igreja. Vizinhos contaram que havia um ponto de distribuição de marmitas à
frente. Na sexta-feira, quando O GLOBO esteve no local, funcionários já
aguardavam a visita da reportagem, que havia estado em outras entidades no dia
anterior. Segundo eles, 70 refeições são produzidas por dia, o que daria 2.100
por mês, número abaixo do contratado.
Por obrigação contratual, as entidades precisam
apresentar prestações de contas ao Ministério do Desenvolvimento Social. O
GLOBO analisou os documentos e encontrou 13 com similaridades, como termos
idênticos e rubricas semelhantes. Os metadados desses relatórios revelam que
eles foram criados na última semana de dezembro por um mesmo usuário, Fábio
Rubson da Silva. Ele é advogado e presta serviços para a Mover, que contratou
as outras ONGs.
"Como entidade gestora, a gente criou modelos
de formulários. Os arquivos não foram criados aqui, mas eu preciso compactar os
documentos para enviar ao ministério", alegou o defensor.
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