Estudantes da Escola Estadual Dr. José Fernandes de
Melo, de Ensino Médio Integral, em Pau dos Ferros, no Oeste potiguar, têm
ganhado destaque ao desenvolver soluções sustentáveis com base nas necessidades
da própria região. As criações incluem um capacete automatizado com tecnologia
que previne cochilos em motociclistas, passando pela fabricação de uma prótese
para cavalos vítimas de amputação e um protótipo de um carro com vistas a
adaptações ao bioma da Caatinga. Todos os projetos foram coordenados pela
professora Jacicleuma Lima e selecionados para a 1ª Olimpíada da Universidade
Federal Rural do Semiárido (Ufersa).
Um dos trabalhos integrou a “Rover Expedição
Caatinga”, da Ufersa, e projetou o protótipo de um veículo modelo Rover, que
levou medalha de ouro na Olimpíada. Além disso, duas alunas da equipe – Anna
Alves e Anne Queiroz – foram selecionadas para montar um novo veículo com
estudantes do Massachusetts Institute of Technology (MIT), de Cambridge, nos
Estados Unidos. O encontro está previsto para ocorrer no final deste mês, em
Mossoró. Os detalhes de como será o novo protótipo ainda não são conhecidos
pelos alunos. A participação da Escola Dr. José Fernandes de Melo na expedição começou
com uma prova escrita, aplicada nas 11 turmas da unidade de ensino, com
questões sobre o bioma da região.
A professora Jacicleuma Lima explica que sete
equipes foram selecionadas para a etapa seguinte à prova, que envolvia uma
série de desafios em fases posteriores, todas eliminatórias, em disputas com
escolas de cidades próximas. “Para a expedição, foram selecionadas cinco
equipes de escolas do Alto Oeste, das quais, uma foi a nossa”, conta a
professora. Em outubro de 2023, os grupos receberam mentoria durante uma semana
na Ufersa para o desenvolvimento do protótipo do veículo. Lara Aquino, de 16
anos, uma das participantes da equipe de Pau dos Ferros, conta como foi a
experiência. O grupo de Lara é composto ainda por Julia Cavalcante e João Marcus
Bezerra.
“Os estudantes foram divididos em times – tinha o da
programação, da mecânica, da elétrica, da eletrônica e da fabricação digital.
Eu fiquei no da programação e os meus colegas, em outros times. Depois da
mentoria, nós construímos um Rover e voltamos a Pau dos Ferros para aprimorar o
projeto. É um veículo pensado para a Caatinga, com sensor de umidade e
temperatura em razão do nosso clima, inspirado em tecnologia da Nasa”, descreve
a estudante.
Segundo ela, a tecnologia utilizada para o sensor é
a micro:bit (placas usadas para programação em escolas), fornecida pela Ufersa.
“Criamos a programação e transferimos para a placa”, conta Lara. O protótipo
também foi desenvolvido em formato de “garras”, de acordo com a estudante, para
ajudar em dois pontos: melhorar a tração do veículo nos terrenos irregulares da
Caatinga, permitindo maior aderência e locomoção; e remover obstáculos do
caminho, como galhos e pequenas pedras.
Prótese para cavalos amputados
A paixão por cavalos desde a infância foi a motivação
para Maria Eduarda Fernandes, de 16 anos, aluna da 2ª série da Escola Dr. José
Fernandes de Melo, a criar uma prótese para cavalos com patas amputadas. Ela se
uniu à colega Isabela Lisboa, também de 16 anos, para se dedicar à criação. O
projeto fez parte da disciplina eletiva de iniciação científica, ministrada
pela professora Jacicleuma Lima. “Sempre gostei de ir a vaquejadas. Certa vez,
presenciei um acidente com um cavalo, que quebrou a canela. Perguntei o que
aconteceria e o vaqueiro me disse que o animal seria abandonado no mato para
morrer sozinho”, conta Eduarda.
“Quando soube que precisaria criar uma solução para
a disciplina, conversei com a professora e decidi criar a prótese”, completa a
estudante. A solução é fabricada com material de polietileno e ossos de boi. Os
trabalhos começaram em abril de 2023 e ficaram prontos somente no início de
dezembro passado. Com o protótipo, a dupla alcançou o pódio na 1ª Olimpíada da
Ufersa e abocanhou o segundo lugar entre os concorrentes da 15ª Diretoria Regional
de Educação e Cultura (Direc). “Foi um processo que começou com muita pesquisa,
até escolhermos o polietileno, conhecido pelo alto teor de resistência e os
ossos bovinos, cujas fibras são muito fortes”, explica Isabela Lisboa.
Até chegar ao resultado desejado, a dupla fez
inúmeras tentativas. “No nosso primeiro protótipo, usamos apenas tampas de
polietileno, mas o produto não saiu nem um pouco como desejado. Para o segundo
experimento, usamos a telha como molde, além de pó de osso e linha de plástico.
Só que, de novo, nada saiu como esperado. Na terceira vez, com a ajuda de uma
oficina de próteses aqui da cidade, tudo deu certo”, relata Isabela. Ao
alcançar o segundo lugar da 15ª Direc pela competição na Ufersa, as estudantes
foram credenciadas para participar da Mostratec, feira de ciência da Fundação
Liberato, que vai acontecer em outubro de 2025 em Novo Hamburgo (RS).
Para a participação, as meninas querem fazer algumas
melhorias no protótipo para oferecer o máximo de resistência ao produto. “O que
nós queremos agora é forrar a parte interna e fazer outras pequenas
modificações”, afirma Eduarda. Outro trabalho que chamou bastante atenção na
Olimpíada da Ufersa foi o de Kaio Gabriel, de 16 anos, também da 2ª série da
Escola Estadual José Fernandes de Melo. Ele criou um capacete automatizado para
prevenir que motociclistas cochilem enquanto conduzem.
A tecnologia utilizada é o microcontrolador Arduino.
“É uma placa de desenvolvimento onde códigos são inseridos junto com alguns
componentes eletrônicos para reprodução de elementos como o som”, conta Kaio.
Ele explica que toda a estrutura física do capacete foi extraída de materiais
da natureza para manter a sustentabilidade do protótipo. Na composição, o
capacete leva fibras de coco, bucha vegetal, resina de seriguela e plástico. A
primeira camada, na parte exterior do protótipo, tem fibra de coco e resina, as
quais são revestidas de plástico coletado de garrafões de água e derretido com
maçarico.
Depois de frio, todo o processo se repete na parte
de dentro. O revestimento interno é feito com bucha vegetal e fibra de coco.
Para prevenir cochilos, o microcontrolador foi embarcado ao capacete junto com
sensores conectados e ativados na região da testa, os quais auxiliam na
detecção de sonolência do condutor. Como sinal de alerta em caso de sono, é
utilizado um dispositivo eletrônico capaz de converter sinais elétricos em
ondas sonoras. Para isso, o estudante utilizou a plataforma Tinkercad.
Botões foram conectados às entradas digitais da
placa Arduino para que o microcontrolador detecte os comandos de forma imediata
e acione o som conforme programado. “A ideia surgiu de um relato de uma amiga.
Ela contou que o namorado cochilou enquanto andava de moto depois de um longo
período de trabalho e acabou se acidentando”, relata Kaio sobre as motivações
para fabricar o protótipo. Segundo ele, a intenção agora é tornar o capacete
ainda mais sustentável. “Quero trocar a bateria de lítio por placas solares”,
pontua o estudante.
Protagonismo
Para a professora Jacicleuma Lima, os trabalhos em
destaque apontam, mais do que nunca, para o protagonismo dos estudantes. Ela
ressalta que a pesquisa e a sustentabilidade ganham com isso. “A forma que os
estudantes trabalham hoje reaproveitando e reutilizando tecnologias mostra um
olhar diferenciado para o meio ambiente. É inspirador ver como esses jovens,
muitos dos quais nunca tiveram contato com iniciativas científicas, se dedicam
a criar soluções reais para os problemas locais, usando materiais sustentáveis
e pensando na aplicação prática de cada tecnologia desenvolvida”, analisa.
Para a docente, em atuação há 38 anos, conseguir
despertar nos estudantes o interesse pela pesquisa e inovação tem valido a
pena. “Os trabalhos são espetaculares. Até eu, como professora, nunca vivenciei
nada do tipo. É importante falar aqui do protagonismo de cada um. Nós, enquanto
professores, orientamos, mas não podíamos fazer nada além disso por eles. Nosso
objetivo é que cada aluno sinta que faz parte de algo maior, que suas ideias
têm valor e que a ciência está ao alcance deles”, encerra.
Tribuna do Norte
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