A estatal Telebras admitiu ao TCU (Tribunal de
Contas da União) ter feito a "pedalada fiscal" milionária revelada
pelo site UOL.
Em documento obtido pela reportagem, a empresa
pública afirmou que o rombo em 2025 — estimado em R$ 184 milhões — pode superar
o dobro em relação a este ano.
Após a reportagem, parlamentares do partido Novo
pediram apuração do tribunal de contas. O ministro Antonio Anastasia, relator
do processo, cobrou a Telebras e o Ministério das Comunicações — pasta
responsável por supervisionar as atividades da estatal.
Na resposta ao TCU, a Telebras confirmou ter usado
uma ferramenta orçamentária denominada DEA (Despesas de Exercícios Anteriores)
para rolar compromissos de 2023 para o orçamento deste ano. O TCU considera
esse tipo de procedimento irregular.
A DEA é um instrumento legítimo, mas só deve ser
usado em casos excepcionais, delimitados em lei — diferentemente do uso feito
pela estatal. Fora das regras, pode:
aumentar artificialmente o orçamento de um órgão;
acumular dívidas para a União;
distorcer resultados fiscais;
consumir recursos dos anos seguintes, impactando
negativamente o planejamento do governo.
A estatal está sob influência do senador Davi
Alcolumbre (União-AP). O parlamentar trocou toda a diretoria e abrigou aliados
na companhia.
À reportagem, a Telebras afirmou que vai se
manifestar no processo do TCU.
"Partes interessadas" foram avisadas
Ao TCU, a Telebras declarou ter informado a "todas as partes
interessadas" sobre o uso da DEA, mas não mencionou quais foram esses
órgãos ou ministérios.
Dois ofícios de fevereiro de 2024 indicam que a
Telebras relatou ao Ministério das Comunicações "um saldo" de R$ 80
milhões em DEA para este ano.
A pasta comandada por Juscelino Filho disse ao TCU
ter feito "reuniões ministeriais em articulação com os órgãos
centrais" para "tratar da situação da Telebras". O ministério
contou à corte ter discutido, nas ocasiões, "implicações e riscos
decorrentes desse cenário adverso".
A pasta citou duas reuniões ocorridas neste ano
sobre a questão:
em 19 de março, com os ministros Fernando Haddad, da
Fazenda, e Juscelino Filho, das Comunicações, integrantes das pastas e um
representante da Receita;
em 9 de abril, com os mesmos ministros, seus
assessores e o presidente da Telebras, Frederico de Siqueira.
A Fazenda disse à reportagem que "não tem
competência para administrar questões orçamentárias, operacionais e
administrativas de outros ministérios ou de empresas estatais".
Pedalada foi "inevitável", diz Telebras
A Telebras é uma estatal dependente do governo. Recebe aportes de recursos
públicos e precisa manter as despesas dentro do limite orçamentário estipulado
para ela.
Em agosto, o presidente Lula (PT) declarou querer
"recuperar" a estatal após retirá-la do rol de privatizações. Mas os
recursos autorizados para a empresa diminuíram em sua gestão.
A Telebras relatou ao TCU ter enviado sete
solicitações aos ministérios das Comunicações e do Planejamento e ao Senado, em
2023, para aumentar o orçamento da empresa — três foram negados, e quatro, não
respondidos. A destinação de verba para cada setor é uma decisão técnica e
política.
Sem os recursos, a Telebras disse que usar a
ferramenta DEA foi "inevitável". De acordo com a estatal, os valores
solicitados garantiriam "a continuidade dos serviços aos clientes" e
"políticas públicas de conectividade e segurança do Estado
brasileiro".
A companhia leva internet a escolas públicas,
agências do INSS e do Ministério do Trabalho, além de controlar o SGDC
(Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas) em parceria
com o Ministério da Defesa.
Telebras projeta "pedalada" de R$ 184
milhões em 2025
A estatal informou ao TCU que o governo liberou R$ 80 milhões para a empresa em
18 de setembro — seis dias após a "pedalada" ter se tornado pública
por meio de reportagem do UOL. Segundo a estatal, o valor é "insuficiente
para fazer frente a todas as despesas".
A empresa estimou ter R$ 264 milhões em pagamento de
DEA para 2025. Com os novos recursos, a previsão é que a "pedalada"
seja de R$ 184 milhões — o valor pode diminuir se o governo liberar mais verba
para cobrir a empresa.
Caso contrário, as "pedaladas" deste ano e
de 2025 podem somar R$ 258 milhões.
Estatal aumentou despesas no último ano
Em caso julgado em 2022, o TCU afirmou que, quando o orçamento autorizado a um
órgão ou ministério não é suficiente, "a conduta esperada" de um gestor
é a redução de despesas.
Sem entrar em detalhes, a estatal declarou ao
tribunal ter cortado o próprio orçamento do ano passado para cá. Questionada
pelo UOL, a Telebras não informou valores.
A empresa fechou, contudo, contratos milionários com
dois fornecedores entre dezembro de 2023 e fevereiro deste ano. Uma planilha
entregue ao TCU indica que a estatal não tem orçamento para executar essas
despesas e precisa que o governo libere R$ 59 milhões.
Caso queira rescindir os dois acordos, terá de pagar
R$ 31 milhões em multa.
Procurada, a Telebras respondeu apenas que mantém
contratos "necessários para garantir a execução das atribuições legais da
empresa em relação ao cumprimento de políticas públicas de inclusão digital e
serviços críticos e essenciais para a população".
Ao TCU, a companhia relatou que um antigo fornecedor
já manifestou à empresa "desinteresse na manutenção do vínculo contratual
diante do longo período sem pagamento das obrigações assumidas".
O que a Telebras fez após a revelação da pedalada
O Tribunal de Contas perguntou à estatal quais medidas foram tomadas após a
publicação da reportagem, em setembro.
A Telebras disse que, em maio, após "constantes
reduções" no orçamento, criou um grupo de trabalho para "elaboração
de um plano de sustentabilidade para a companhia".
Declarou também ter passado "a monitorar os
custos da execução das Políticas Públicas de Telecomunicações".
Em setembro, "diante do volume de
despesas" com DEA e "das negativas e falta de retorno" aos
pedidos de recursos, a estatal "designou empregados para compor novo grupo
de trabalho". O objetivo é "analisar os impactos das limitações
orçamentárias e financeiras na companhia, propor tratamento e indicar ações de
melhoria dos fluxos e processos".
O Ministério das Comunicações afirmou que sua
atribuição "é supervisionar a execução de políticas públicas para que
estejam alinhadas com as diretrizes do governo".
A pasta informou ter encaminhado todos os pedidos de
recursos da estatal para o Ministério do Planejamento. "A Telebras é uma
empresa com gestão autônoma, com diretoria e conselhos de administração e
fiscal que são responsáveis pelas decisões administrativas, operacionais e
financeiras adotadas pela companhia", registrou.
Com informações de UOL
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