Em meio à crise de superlotação que afeta o Hospital
Monsenhor Walfredo Gurgel (HMWG), a Secretaria de Estado da Saúde Pública
(Sesap) apresentou à Justiça um plano de contingência para reorganizar o fluxo
de atendimento. A proposta inclui o fim do atendimento ortopédico de baixa
complexidade e o redirecionamento de pacientes para uma estrutura
descentralizada chamada “barreira ortopédica”. A medida visa desafogar os
corredores lotados do maior hospital do Estado e depende da parceria com
cidades estratégicas para absorver os pacientes, por meio de um “consórcio
interfederativo”.
O plano, detalhado pela Sesap, foi enviado à 2ª Vara da Fazenda Pública de
Natal e argumenta que, para enfrentar a superlotação crônica, é essencial criar
alternativas de atendimento para os casos de menor complexidade ortopédica,
especialmente aqueles decorrentes de acidentes de moto. A TRIBUNA DO NORTE
mostrou que nos últimos quatro meses, a unidade tem batido recordes de
atendimentos envolvendo motociclistas. Em setembro, 899 pessoas deram entrada
no hospital, vítimas de quedas de moto.
Os dados são enfatizados no documento encaminhado à Justiça. Aproximadamente
70% dos casos que chegam à unidade são de baixa e média complexidade, o que, de
acordo com a Sesap, gera uma sobrecarga que impede o hospital de focar nas
emergências de alta complexidade. “Este plano tem como objetivo fazer o
‘esvaziamento’, o mais rápido possível, dos corredores e anexos do HMWG de
forma a trazer um grau de normalidade à assistência hospitalar e controle na
regulação da porta”, diz um trecho do documento.
Como solução para essa sobrecarga, a Sesap propôs a criação de uma “barreira
ortopédica”, uma estrutura regionalizada que absorveria os atendimentos de
menor complexidade ortopédica. A proposta indica que a barreira ortopédica
funcionaria 24 horas por dia, sete dias por semana. A barreira atenderia uma
população estimada de até 1,5 milhão de habitantes e seria voltada para casos
ortopédicos sem risco iminente, que atualmente demandam recursos que o Walfredo
poderia dedicar a traumas graves.
De acordo com a pasta, a estrutura teria Sala de Pequenos Procedimentos, com
maca, foco de luz, monitor cardíaco e desfibrilador; Sala de Gesso, com
equipamentos para imobilização, medicamentos analgésicos e anti-inflamatórios,
além de materiais para preparar o gesso; e Centro Cirúrgico Simples, capacitado
para fazer cirurgias em fraturas de baixa complexidade, como fraturas fechadas
ou traumas decorrentes de quedas sem impacto craniano.
“A partir do envio deste documento [6 de novembro] para os órgãos de controle e
aos Municípios, Cosems e Femurn, haverá um prazo de 10 dias para agendar a
reunião para que os municípios possam se preparar para dar a resposta
assistencial devida aos seus munícipes. Por 30 dias após a reunião a Sesap a
partir das áreas técnicas realizará uma reunião onde convocará os municípios,
Femurn, Cosems, e representações dos conselhos de saúde municipais e estadual
para discutir a criação de um serviço de ortopedia de urgência para atender a
baixa complexidade, denominado barreira ortopédica”, destaca o plano de
contingência.
Articulação
O
plano de contingência da Sesap sugere que essa barreira ortopédica seja gerida
em parceria com os municípios, por meio de um Consórcio Interfederativo em
Saúde, para que as cidades da região compartilhem a responsabilidade financeira
e operacional. A Secretaria propôs que a Federação dos Municípios do Rio Grande
do Norte (Femurn) e o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do RN
(Cosems-RN) desempenhem papéis fundamentais na implementação da barreira.
Para Luciano Santos, presidente da Femurn, a proposta é recebida com cautela,
principalmente por conta dos desafios financeiros que os municípios já
enfrentam. Ele lembra que os repasses do Estado para políticas de saúde, como a
farmácia básica, são inconstantes, e teme que os municípios sejam pressionados
financeiramente. “Adotar mais uma responsabilidade, sem os recursos
correspondentes, asfixiaria as finanças municipais, prejudicando ainda mais a
população que depende dos serviços básicos de saúde nos municípios”, afirmou
Santos.
E complementa: “Reforço que é necessário um compromisso real do Estado em
manter os repasses acordados e em planejar essa proposta de forma sustentável,
com uma lei estadual, com uma fonte direcionada. Como representante dos
municípios, estou recebendo essa notícia agora, mas sempre aberto ao diálogo e
à cooperação. Precisamos que o Estado assegure uma fonte de receita adequada
para que possamos atender nossas comunidades de maneira digna e responsável”.
Neste modelo, o Estado ressalta que essa modalidade de complexidade teria um
custo médio aproximado de R$ 900 mil por mês. “Cada município das regiões
citadas [1ª, 3ª, 5ª e 7ª regiões de Saúde] irá arcar com um valor, inicialmente
com base na população per capita de cada município, além do incentivo do Estado
(40%), no modelo de termo de acordo, enquanto não se oficializa o consórcio.
Após um ano do acordo será possível reavaliar os valores e ao invés de ser per
capita, será por casos para atendimentos enviados (passará a ser de acordo com
a demanda de cada município)”.
Já Maria Eliza Garcia, presidente do Cosems-RN, levantou questionamentos sobre
a viabilidade da proposta e sugeriu uma melhor organização na rede estadual.
Ela enfatizou que o Cosems ainda não foi formalmente convidado a discutir a
proposta e defendeu o fortalecimento dos hospitais regionais. “O Walfredo vive
sempre agonizando, com corredores lotados, porque, de fato, a gente não tem uma
reorganização no próprio serviço estadual”, destacou. “Temos na região
metropolitana o Hospital Deoclécio Marques que poderia estar fazendo isso, para
não vir para dentro do Walfredo”.
Outras ações
Além
do encerramento dos atendimentos ortopédicos de baixa complexidade, a Sesap se
compromete, no plano de contingência, a entregar a reforma do 2º Andar do
Walfredo, que inclui a criação de uma enfermaria com 38 leitos clínicos e 1
leito de estabilização, até o dia 30 de novembro. Ao todo, a nova enfermaria
contará com 75 profissionais, entre enfermeiros, técnicos de enfermagem,
fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais.
A secretaria cita ainda o fortalecimento da linha de cuidado do Acidente
Vascular Cerebral (AVC). A proposta inclui o aumento da resposta aos casos de
AVC, que representam uma linha de cuidado prioritária devido à alta incidência
e à gravidade. Será implementado um plano de provimento para suprir a demanda
específica de profissionais de saúde na Unidade de AVC, de forma gradual, a
partir de janeiro de 2025.
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