Larissa Duarte
Repórter
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) já causou mais de
50 mil mortes no Brasil até agosto de 2024, conforme dados do Portal da
Transparência do Registro Civil. Este número reforça o AVC como uma das principais
causas de mortalidade e incapacitação no país, mas o impacto da doença entre
jovens também preocupa: 18% dos casos ocorrem em indivíduos de 18 a 45 anos,
segundo a Rede Brasil AVC. Esse avanço entre faixas etárias mais jovens acende
um alerta para especialistas, que destacam a urgência de cuidados preventivos
independente da idade.
Em julho de 2023, aos 36 anos, Cintha Pereira
vivenciou o inesperado: um AVC que mudou radicalmente sua rotina e percepção
sobre a saúde. A potiguar narra como começou a sentir os primeiros sintomas:
uma forte dor de cabeça seguida por ânsia de vômito. “Era como uma crise de
enxaqueca, e eu já tinha isso com frequência, mas sempre passava. Dessa vez não
passou”, relembra. No dia, Cintha estava relaxando ao lado da família na Praia
de Genipabu, quando a companheira percebeu que os sintomas apresentados estavam
fora do comum e pediu para que elas fossem para um pronto atendimento.
Resistente, Cintha não aceitou e foi direto para
casa, até que as dores se agravaram e a companheira decidiu acionar o Serviço
de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Durante o atendimento, a hipótese
inicial era uma crise de ansiedade devido ao consumo de álcool, mas que ela já
estava acostumada e nunca havia sentido aquilo. A persistência de sua
companheira, que percebeu as limitações de Cintha para responder e se
movimentar, foi crucial para que o atendimento fosse redirecionado para uma
Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Lá, foram mais dificuldades até chegar a
avaliação com a médica.
“Minha companheira dizia a médica o que está
acontecendo isso, mas ela mandava ter calma e que só me atenderia depois de
tomar o soro. Minha companheira insistiu outra vez dizendo que eu estava
perdendo os movimentos e a médica já ficou até um pouco alterada. Ela abriu meu
olho, pediu para apertar a mão dela e eu não apertei”, explica. Foi nesse
momento que a equipe médica percebeu a real gravidade do caso e rapidamente
encaminhou Cintha para o Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, onde ela realizou
uma tomografia. Foi constatado que se tratava de um AVC e era necessário uma
cirurgia.
Segundo Carlos Correia, neurologista no Hospital
Universitário Onofre Lopes (Huol-UFRN/Ebserh), o aumento de casos de AVC entre
jovens ainda está sendo investigado pela ciência, mas pode ser parcialmente
explicado pela precocidade no desenvolvimento de doenças que historicamente
atingiam idades mais avançadas, como a diabetes. “Há fatores genéticos e também
ambientais, incluindo poluição e estresse, que podem impactar diretamente na
saúde vascular. Ainda é difícil entender a real causa desse aumento em jovens,
podendo haver fatores externos que desconhecemos”, afirma.
De acordo com o Ministério da Saúde, outros fatores
são determinantes para a ocorrência de um AVC, como o sobrepeso, obesidade,
tabagismo, uso excessivo de álcool, idade avançada, sedentarismo, uso de drogas
ilícitas, histórico familiar e ser do sexo masculino.
Eliane Pereira, cardiologista no Hospital
Universitário Onofre Lopes (Huol-UFRN/Ebserh), aponta que o estilo de vida é um
fator determinante para o desenvolvimento desses casos. Ela explica que a
hipertensão e o colesterol elevado são condições que, sem os devidos cuidados,
podem levar a complicações severas como o AVC. “A pressão alta estimula a
parede das artérias, podendo acumular placas e dilatar os vasos, o que aumenta
o risco de rompimento”, detalha.
Para quem possui histórico familiar de doenças, o
cuidado deve ser redobrado, a fim de evitar a continuidade desse cenário.
Nesses casos, a médica também destaca a busca por exames regulares desde os 30
anos. “A falta de atividade física, estresse e má alimentação contribuem para o
aparecimento precoce de placas nas artérias”, completa.
A conscientização sobre o AVC e a adoção de práticas
saudáveis são apontadas como as principais estratégias para prevenir a doença
entre jovens. Carlos Correia recomenda que, ao menor sinal de um sintoma
suspeito, como dormência em um dos lados do corpo ou dificuldade de falar, o
indivíduo procure atendimento imediato. “O reconhecimento precoce é o fator
determinante para evitar sequelas graves e garantir qualidade de vida após um
AVC”, afirma.
Diante dessa situação, ele reforça que além do
paciente se perceber, a equipe médica também deve ter atenção para os sintomas
olhando para além da idade e garantindo o tratamento correto. “A gente vê com
uma certa frequência pessoas que às vezes se apresentaram com sintomas
compatíveis com o AVC, mas o diagnóstico não foi dado por achar que não
possível baseado somente na faixa etária”, alerta.
Desde o primeiro sintoma até a cirurgia, Cintha
estima que se passaram quase oito horas, tempo este que poderia ter custado a
sua vida. “Quando eu bati a tomografia no Walfredo, a médica que chegou para me
acompanhar disse que a cada minuto que eu passava lá meu cérebro estava
morrendo”, relata. No hospital particular em que ela foi transferida para a
cirurgia, Cintha já tinha chegado desacordada.
AVC isquêmico x hemorrágico
O Ministério da Saúde explica que o Acidente
Vascular Cerebral é dividido em dois tipos: o isquêmico e o hemorrágico. O AVC
isquêmico corresponde a 85% dos casos e ocorre diante de uma obstrução de uma
artéria, impedindo a passagem de oxigênio para células cerebrais, que acabam
morrendo. Essa foi a situação de Cintha Pereira.
João Ferreira, neurocirurgião no Huol-UFRN/Ebserh,
explica que o procedimento cirúrgico é indicado em casos onde há entupimento de
grandes artérias, permitindo a realização de uma trombectomia. Esse
procedimento é essencial para desobstruir o fluxo sanguíneo em casos de AVC
isquêmico, restaurando a circulação antes que o tecido cerebral sofra danos
irreversíveis. “O tempo é essencial para o tratamento do AVC. Quanto mais
rápido o paciente chega ao hospital, mais chances temos de evitar sequelas
graves”, afirma.
Já o hemorrágico está presente nos demais 15% dos
casos, quando há rompimento de um vaso cerebral, provocando hemorragia dentro
do tecido cerebral ou na superfície entre o cérebro e a meninge. Nessa
situação, João Ferreira explica que a cirurgia consiste em aspirar o coágulo e
aliviar a pressão intracraniana, evitando que o tecido cerebral saudável seja
danificado. “A cirurgia de descompressão pode salvar vidas ao prevenir que o
cérebro inchado pressione o tecido normal”, afirma Ferreira.
Consequências do AVC
Após a cirurgia, Cintha passou a lidar com sequelas
físicas, como a dormência e peso no braço esquerdo. Ela revela como o
tratamento fisioterápico foi essencial para recobrar a mobilidade das mãos e o
equilíbrio ao caminhar, no entanto, algumas limitações permanecem. “Não consigo
segurar um brinco ou sentir o toque com precisão no lado esquerdo”, explica.
Hoje, Cintha adota uma rotina de exercícios e alimentação saudável, além de
evitar o consumo de álcool. “O AVC me fez perceber a importância de cuidar do
meu corpo todos os dias”, relata.
Para os meses de outubro, novembro e dezembro deste
ano, o Hospital Universitário Onofre Lopes conta com um agendamento de 171
pacientes, sendo 36 inseridos na faixa etária entre 10 e 48 anos, ou seja, 21%
são considerados jovens. Cintha é uma das pacientes atendidas a cada seis meses
no Huol-UFRN/Ebserh para acompanhamento no tratamento e recebe todo o suporte
da equipe médica.
Casos como o de Cintha Pereira lembram que o AVC é
uma realidade para pessoas de todas as idades. Um estilo de vida saudável e um
acompanhamento médico constante, principalmente em pacientes com fatores de
risco, são elementos centrais na prevenção da doença. Em tempos em que a pressa
e o estresse se tornam comuns, o relato serve como um lembrete: é preciso agir
antes que seja tarde.
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