Território Livre
Mãe de dez filhos, os seios enormes de tanta
amamentação viraram motivo de vergonha.
O primeiro marido deixado para trás, e a mesma falta
de sorte com o segundo.
Maltratada, preferiu ser retirante.
No caminho sem rumo, o pote derramado
virou riacho, que se fez rio, e a levou pro meio do mar.
Onde foi aclamada rainha.
Bela e vaidosa, em troca de oferendas, garante boas
pescarias e a certeza da volta ao porto.
Para os apaixonados, todo o amor correspondido.
Na praia do meio, a sina e o mesmo destino.
Mais descaso e outra fuga, há três anos.
Do ambiente insalubre, do sol inclemente, das
intempéries e de todo abandono.
Os efeitos da maresia, a ação de vândalos e outros
intolerantes, apressaram a aposentadoria da estátua mais conhecida, visitada e
reverenciada da cidade.
Por invalidez.
Mais uma vítima da violência urbana, perdeu os
braços.
Não podia mais receber oferendas nem retribuir os
presentes com bençãos e graças.
Antes de completar vinte anos de serviços
espirituais, foi substituída por uma nova, de calcário.
Material resistente, inoxidável e duradouro.
Levada para um depósito com a promessa de passar por
mais uma restauração e ser reentronizada em outro aprazível pedestal, não deu
mais notícias.
A promessa da burocracia falhou. Não havia outro
local, outra praia, onde já deveria estar recebendo seus fiés.
Suspeita-se que teve o mesmo
destino do anjo azul que habitou por décadas um jardim
na Hermes da Fonseca, e acabou esquartejado, com os restos e
asas jogados num canto de praça descuidada.
À sucessora, depois da tentativa frustrada de
mudança de raça, foram ofertados espelhos eletrônicos que vão zelar pela
segurança 24 horas por dia.
Ainda bem que não tiveram a iluminada ideia de
presenteá-la com tornozeleira eletrônica.
Fonte: Wikipédia
(Este tema foi abordado em 28/11/2019)
Mãe d’ Água – Carybé
Figuras na praia (1955) – Carybé –
Instituto Carybé, Salvador
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