Tribuna do Norte
O governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) pode usar o “fator tempo” para escolher bem a sua futura equipe
econômica, mas tem de estar ciente de que não há espaço para “testes ou
experimentos”, na opinião do presidente do Bradesco, Octavio de Lazari. O
cenário a partir de 2023, alerta, é “extremamente desafiador” e exige um time
“engajado”, a par não só dos principais problemas do País, como o controle da
inflação e o equilíbrio do fiscal com o social, mas, principalmente, dos
caminhos para resolvê-los. Sobre os resultados do Bradesco, afetados pelo salto
nos calotes, o banqueiro admitiu que pode ter havido um erro no início do
aperto dos modelos de concessão de crédito em 2021, mas isso foi consertado e a
principal missão é recuperar os retornos históricos. Confira a entrevista:
Quais são as suas expectativas para o
novo governo, considerando o cenário macroeconômico e o ambiente político?
Passamos por uma eleição bem dividida, mas o Brasil tem uma democracia jovem,
pujante e que se estabeleceu, escolheu nas urnas o novo governo, que assume em
1º de janeiro. O País tem um desafio grande com relação à inflação, que ainda
não está totalmente controlada. A inflação é uma variável extremamente ruim
para a população brasileira, principalmente para as pessoas menos favorecidas,
já que corrói o poder de consumo. Controlando a inflação, a expectativa é que a
gente tenha uma redução de taxas de juros, o que seria muito importante para o
País para entrar numa rota de crescimento. Obviamente, vamos ter de esperar um
pouco para ver os sinais do novo governo, a composição da equipe econômica,
mas, apesar de que esse novo governo que assume vai pegar um cenário
extremamente desafiador, por outro lado, tem oportunidades muito importantes.
Quais?
Saímos na frente do mundo para tentar debelar a inflação e, consequentemente,
começar a trabalhar a redução da taxa de juros, então, dado esse cenário, a
expectativa de todos os agentes econômicos é que o Brasil possa ter uma rota de
crescimento melhor. O grande desafio desse governo é equilibrar o social com o
fiscal, dando sinais claros de que vai continuar, de alguma forma, apoiando e
ajudando as pessoas mais carentes, mais vulneráveis; mas, por outro lado, vai
propiciar que tenha uma atratividade maior para investimentos das outras partes
do mundo.
Há a preocupação do mercado com a situação fiscal e a urgência social no
País e críticas à PEC da transição. Como o senhor vê essas discussões?
O governo tem mapeado o tamanho dessa necessidade fiscal para continuar a fazer
o pagamento do Auxílio Brasil ou seja lá o nome que for dado. Temos que
encontrar quais são os caminhos dentro do arcabouço fiscal para poder dar esse
auxílio. Tem de ser o mínimo indispensável para poder atender as famílias nesse
primeiro momento e, a partir de então, ir equilibrando esse orçamento. Tem a
reforma tributária que está na mesa e pode ser uma das alternativas para cobrir
parte desse fiscal. Entendo que aumentar a carga tributária no Brasil não é a
melhor alternativa porque já é muito alta.
Quando o senhor cita aumento de impostos, já é uma crítica antecipada a um
possível aumento de tributação aos bancos como ocorreu em outros governos
petistas?
Não, estou falando de uma maneira geral. Não são os bancos isoladamente. Porque
tivemos aumento da nossa carga tributária, mas o setor produtivo como um todo.
Essa é a nossa grande preocupação para que não haja uma paralisação de
investimentos. É possível ter a mesma carga tributária, mas ganhando em escala,
ou seja, aumentando o bolo da receita por conta do faturamento das empresas.
O mercado também tem cobrado o anúncio da futura equipe econômica. Como deve
ser esse perfil?
O mais importante é ter técnicos competentes, seja do mundo político ou
técnico, para formar essa equipe e os ministérios. Nesse primeiro momento, pode
ter um ruído, mas está todo mundo engajado em uma situação melhor para o País,
de uma condição para crescer. Partindo desse pressuposto e considerando que
crescer e melhorar o País é bom para todos mundo, esses ajustes acabam
acontecendo.
Mas a demora não contribui para aumentar esse ruído?
Temos de dar também um desconto, o fator tempo para esse novo governo porque
eles têm bastante convicção de que a escolha da equipe, dos ministros, é muito
importante que seja extremamente acertada. Não temos espaço para testes ou
experimentos, temos de estar com uma equipe bastante engajada, sabendo
exatamente quais são os problemas e desafios do Brasil e quais os caminhos que
temos de tomar para melhorar ou resolver esses problemas.
O banco voltou a fazer seu tradicional evento para CEOs e investidores em
Nova York de forma presencial pela primeira vez desde a pandemia. Qual é a
principal preocupação dos investidores internacionais?
É justamente como é que vai acontecer esse equilíbrio entre o fiscal e o
social, quais são as fontes de financiamento, quem serão os integrantes do novo
governo. As preocupações são mais ou menos as mesmas. Por outro lado, ouvindo
os CEOs, empresários e CFOs [diretores financeiros], percebemos um sentimento
de que algo bom está vindo, investimentos de muitas empresas internacionais que
já estão canalizados. Agora, é questão de organizá-los.
No Brasil, há sinais fortes de aumento da inadimplência e o banco já foi
afetado nos resultados do terceiro trimestre. Como o senhor vê esse ciclo e
qual a estratégia para domá-lo?
A inadimplência é um pouco fruto do que veio da pandemia. As pessoas estavam
com mais recursos por conta de todo apoio financeiro que o governo brasileiro
deu naquele momento, que foi extremamente importante, só que a inflação corrói
o poder de compra das pessoas. Em função disso, tem uma carência maior das
pessoas para cumprir os seus compromissos. Então, a inadimplência acabou
aparecendo um pouco maior agora. O banco tomou todas as medidas necessárias
para preservar a fortaleza do seu balanço, fez alterações na política de
crédito, ajustes nos modelos de aprovação. A partir daí, tem o controle da
inadimplência e ela deve começar a ceder. Mas é uma preocupação grande.
Sendo uma preocupação grande, o banco considera mudanças em sua estrutura,
no alto comando?
Por conta disso, não. Pode haver mudanças como a gente sempre faz o ‘job
rotation’ dentro do banco e isso é natural dentro do Bradesco para que todo
mundo conheça as diversas áreas da organização.
Mas tem algum movimento previsto?
Neste momento, não. Mas é algo que estudamos todo ano para que todos os
executivos estejam preparados em todas as áreas do banco.
O mercado criticou a forma que o banco comunicou essa deterioração dos
ativos, com revisões no guidance ora para pior ora para melhor. Faltou clareza?
O banco prevê mudar a forma de se comunicar?
Tem de evoluir a cada trimestre a nossa comunicação. A inadimplência acabou
vindo mais forte do que esperávamos e tínhamos de dar essa informação para o
mercado com a maior clareza possível e foi por isso que, na divulgação de
resultados, mudamos o guidance. Obviamente que não estamos satisfeitos com o
resultado do banco. Queremos e estamos trabalhando muito para retomar os níveis
de retorno históricos. É uma situação pontual, que vamos trabalhar muito para
superá-la e a expectativa é rapidamente controlar essa inadimplência.
Principalmente porque sabemos que ela está nas classes C, D e E e nas micro e
pequenas empresas. Talvez, tenha havido um erro e podemos dizer que sim, nas
mudanças das políticas de crédito, que poderiam ter sido um pouco antes, no
segundo trimestre de 2021 e não no terceiro como fizemos. Isso está corrigido e
recuperar o resultado agora é a nossa grande missão.
No banco de alta renda, um dos desafios da sua gestão, o banco já tem o
tamanho que queria?
Não. O céu é sempre o limite. Reforçamos e agora buscamos o crescimento
contínuo porque tem uma população que tem investimentos importantes dentro do
Brasil e o Bradesco quer crescer junto a esses clientes. Trouxemos os clientes
Private do JPMorgan e do BNP Paribas, somos o segundo maior Private do Brasil.
Compramos recentemente a asset do BV, a participação majoritária, que também
vem crescendo, e o BAC na Flórida, um dos nossos investimentos para atender os
clientes de alta renda nos Estados Unidos.
Qual a ambição do banco nos EUA?
É atender os nossos clientes brasileiros que têm investimentos nos Estados
Unidos. A gestora que administra os investimentos aqui é a BlackRock, uma das
maiores do mundo. Mas não temos nenhuma intenção de fazer banco de varejo nos
Estados Unidos. Vamos crescer o BAC, mas para atender basicamente os clientes
brasileiros e os estrangeiros que temos aqui, mesmo os americanos. Já que é um
banco completo, vamos continuar crescendo.
Como crescer diante da maior concorrência de bancos brasileiros no país?
Trazendo clientes que tenham seus investimentos em outras casas nos Estados
Unidos e através do Private ou do Wealth Management no Brasil levar para o BAC,
na Flórida. A concorrência acabou crescendo bastante neste setor. Todo mundo
está procurando o seu espaço, mas a estratégia que o Bradesco adotou de comprar
um banco nos Estados Unidos para atender os clientes em toda a sua necessidade,
seja de conta corrente, mortgage [imobiliário] ou investimentos no exterior, dá
uma sustentação para os nossos clientes muito maior. Outras aquisições não
fazem sentido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário