Globo Rural
Enquanto parte dos cientistas busca explorar os
benefícios da cannabis à saúde, outra frente estuda as melhores variedades e
condições de cultivo da planta da maconha. No Brasil, com a proibição de
plantio e pesquisas desde os anos 1940, o tema enfrenta algumas barreiras,
muitas ideológicas e preconceituosas.
Mas o conhecimento sobre a fitotecnia e a genética da
planta está sendo recuperado por iniciativa de duas escolas de agronomia. Uma
delas é a Universidade Federal de Viçosa (UFV-MG), que começou no mês passado,
em parceria com a startup ADWA Cannabis, o primeiro trabalho no Brasil de
melhoramento genético da cannabis.
O contrato de parceria entre a universidade e a
startup foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) nesta quarta-feira
(25/11). Outra iniciativa é da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ), que já adquiriu sementes selecionadas e inicia pesquisas de cultivo em
parceria com a Canapse – uma associação de pesquisadores que desenvolve
projetos sobre a cannabis medicinal para uso humano e veterinário.
O experimento em Viçosa (MG) começou com quatro
variedades selecionadas a partir de sementes vindas da Colômbia e de países
europeus. As plantas estão sendo caracterizadas e cultivadas para que, por meio
de cruzamentos, se obtenha variedades aptas para cada uso e região do país.
Os cruzamentos resultarão em variedades brasileiras,
seguindo regras do Registro Nacional de Cultivares (RNC) que o Ministério da
Agricultura exige. Para comercializar qualquer muda ou semente no país, é
preciso constar no RNC.
“Estamos fazendo a análise do comportamento das
variedades que trouxemos de fora e iniciando cruzamentos para obter plantas
melhoradas e adaptadas ao Brasil”, explica o engenheiro agrônomo Sérgio Barbosa
Ferreira Rocha, fundador e diretor da ADWA.
“Enquanto no Brasil as grandes culturas agrícolas como
soja e milho já possuem seus genes sequenciados, ainda não há um consenso
sequer sobre a classificação taxonômica do gênero cannabis”, diz Dennys Zsolt
Santos, engenheiro agrônomo e pesquisador da Canapse.
Autorização da Justiça
Para as duas escolas, a proibição imposta sobre o
manuseio e acesso à matéria prima da cannabis foi um grande desafio. No caso de
Viçosa, foram os pesquisadores da UFV, em parceria com a startup ADWA, que
obtiveram na Justiça decisão permitindo o cultivo da cannabis para pesquisa.
Mesmo assim, a equipe optou por aguardar uma posição definitiva do Judiciário
para começar o plantio.
“Uma decisão precária pode ser cassada e precisamos de
segurança. Queremos fazer um programa de melhoramento de cannabis medicinal e
isso envolve anos de trabalho, muitos recursos e equipamentos” diz Derly Silva,
professor titular da área de melhoramento de hortaliças do Departamento de
Agronomia da UFV. “Uma decisão liminar seria um instrumento muito frágil para
isso”, complementa.
O advogado e diretor jurídico da ADWA, Rodrigo
Mesquita, diz que um pedido de cultivo foi feito à Agência Nacional de
Vigilância Sanitária em 2017, mas a Anvisa se declarou sem competência para
essa autorização. “Lamentavelmente, as pesquisas com cannabis não possuem um
marco regulatório estabelecido, por isso utilizamos a estratégia judicial”,
explica o advogado. “Com o sucesso da ação, estabelecemos uma parceria entre a
startup e a UFV para realizar a pesquisa”, explica.
No caso da UFRRJ, a escola pegou carona com a Canapse,
associação que já tem autorização judicial para plantar e executar projetos de
pesquisa com cannabis. “Como a Canapse é uma associação de pesquisadores, ela
fez um convênio com a nossa universidade, e o programa será desenvolvido
conjuntamente”, diz o reitor Ricardo Berbara. “Assim resolvemos o problema do
acesso ao material sem infringir a legislação”, ressalta.

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