JOSIAS DE SOUZA
O Congresso, como se sabe, é vital para a democracia.
Mas a cleptocracia brasileira parece decidida a ressuscitar uma máxima cunhada
no século 19 pelo chanceler alemão Otto von Bismarck: “É melhor que o povo não
saiba como são feitas as leis e as salsichas.” O pacote anticrime, uma das mais
celebradas salsichas legislativas do ano passado, começou a produzir efeitos.
Não contra, mas a favor dos criminosos.
Um parágrafo único pendurado num artigo do pacote
apresentado pelo então ministro da Justiça Sergio Moro funcionou como chave
para abrir a cela de André de Oliveira Macedo, o André do Rap, um dos chefões
do PCC, a maior facção criminosa do país. O trecho pró-criminosos do pacote
anticrime estabelece que a prisão preventiva se tornará ilegal se o juiz que a
decretou não justificar a cada 90 dias a necessidade de manter o preso atrás das
grades.
Essa espécie de recall trimestral para prisões
preventivas, que parecia ser apenas uma nova e bem-intencionada regra para
todos era, na verdade, uma exceção para os congressistas —oportunidade que o
PCC aproveita. Em reação às prisões longevas da Lava Jato, um Congresso
apinhado de investigados, culpados e cúmplices retirou do pacote de Moro a
permissão para prisão de larápios condenados na segunda instância. E incluiu a
regra abre-celas.
Moro pediu a Jair Bolsonaro que vetasse o pé de cabra.
Bolsonaro deu de ombros. Sancionada a novidade, a bandidagem passou a recorrer
à farta. Não teve sucesso no STJ. Mas o ministro Marco Aurélio Mello, do STF,
valendo-se da salsicha recém-fabricada pelo Congresso, mandou soltar o chefão
do PCC. A ordem foi revogada oito horas depois por Luiz Fux, presidente do
Supremo. Mas o bandido evaporou. E um segundo traficante, Gilcimar de Abreu,
reivindica o mesmo direito à fuga.
Autoconvertido em fábrica de salsichas, o Congresso
piorou o que já era ruim. Bolsonaro saboreou. E o Judiciário começa a servir à
sociedade decisões indigestas. No Brasil, acima de um certo nível de poder e
renda, todos são inocentes, mesmo quando há provas em contrário.
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