terça-feira, 13 de outubro de 2020

BRASIL: Pacote anticrime virou presente para criminosos

 JOSIAS DE SOUZA

O Congresso, como se sabe, é vital para a democracia. Mas a cleptocracia brasileira parece decidida a ressuscitar uma máxima cunhada no século 19 pelo chanceler alemão Otto von Bismarck: “É melhor que o povo não saiba como são feitas as leis e as salsichas.” O pacote anticrime, uma das mais celebradas salsichas legislativas do ano passado, começou a produzir efeitos. Não contra, mas a favor dos criminosos.

Um parágrafo único pendurado num artigo do pacote apresentado pelo então ministro da Justiça Sergio Moro funcionou como chave para abrir a cela de André de Oliveira Macedo, o André do Rap, um dos chefões do PCC, a maior facção criminosa do país. O trecho pró-criminosos do pacote anticrime estabelece que a prisão preventiva se tornará ilegal se o juiz que a decretou não justificar a cada 90 dias a necessidade de manter o preso atrás das grades.

Essa espécie de recall trimestral para prisões preventivas, que parecia ser apenas uma nova e bem-intencionada regra para todos era, na verdade, uma exceção para os congressistas —oportunidade que o PCC aproveita. Em reação às prisões longevas da Lava Jato, um Congresso apinhado de investigados, culpados e cúmplices retirou do pacote de Moro a permissão para prisão de larápios condenados na segunda instância. E incluiu a regra abre-celas.

Moro pediu a Jair Bolsonaro que vetasse o pé de cabra. Bolsonaro deu de ombros. Sancionada a novidade, a bandidagem passou a recorrer à farta. Não teve sucesso no STJ. Mas o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, valendo-se da salsicha recém-fabricada pelo Congresso, mandou soltar o chefão do PCC. A ordem foi revogada oito horas depois por Luiz Fux, presidente do Supremo. Mas o bandido evaporou. E um segundo traficante, Gilcimar de Abreu, reivindica o mesmo direito à fuga.

Autoconvertido em fábrica de salsichas, o Congresso piorou o que já era ruim. Bolsonaro saboreou. E o Judiciário começa a servir à sociedade decisões indigestas. No Brasil, acima de um certo nível de poder e renda, todos são inocentes, mesmo quando há provas em contrário.


 

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