O Globo
A média móvel semanal de mortes diárias por Covid-19
começou a cair e, pela primeira vez em 90 dias, a epidemia dá sinal razoável de
estar perdendo força no Brasil. Saindo de um patamar de mil mortes por dia, há
uma semana a média semanal vem diminuindo, e fechou ontem em 859 óbitos.
Ainda são muitas vítimas para contabilizar todo dia, e
a situação varia entre estados. Com 122.681 mortes e 3.952.790 casos
confirmados pelas secretarias estaduais de saúde, poucos veem o aparente
arrefecimento da epidemia como uma vitória da resposta brasileira à doença. A
questão que especialistas buscam responder agora é se a queda deve continuar.
— Eu tendo a crer que sim — afirma o epidemiologista
Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da USP. — Mas sair de um patamar
de 1.000 mortes por dia para um de 850 mortes é como estar devendo 1.000 e
pagar 150. Ainda resta uma grande dívida a ser paga.
Segundo o pesquisador, um dos sinais de que a
tendência de queda provavelmente é consistente é que o excesso de mortalidade
como um todo, por causas naturais (não violentas), também está se reduzindo.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass)
vem publicando com frequência dados sobre esse indicador. Os números permitem
inferir a tendência da epidemia, guardada a limitação provocada pelo atraso das
notificações, e vinham mostrando queda.
O dado mais recente, do final de julho, mostra um
excedente de 4.418 mortes por semana em relação ao esperado, baseado na média
dos últimos anos. No começo de maio essa disparidade era de mais que o dobro:
totalizando 9.353 mortes.
As diferenças regionais apontam que o coronavírus
ainda está muito ativo no Sul e no Centro-Oeste.
Nos dados de mortalidade de ontem, 16 estados
apresentavam tendência de queda e 3 de alta. Os outros permaneciam estáveis. As
diferenças regionais, afirma Lotufo, explicam o longo período de platô com mil
mortes diárias que o Brasil viveu ao longo de 80 dias na epidemia de Covid-19.
— Foram agrupadas tendências distintas, uma de queda,
outra de subida. O platô nunca foi platô, teve muitas subidas e descidas. O
método de comparar as médias de 14 dias tem algumas limitações — afirmou o
epidemiologista.
Velocidade de infecção caiu
Um outro indicador otimista para a epidemia no Brasil
é o valor mais recente do número básico de reprodução, R0, que estima quantas
pessoas cada infectado pelo vírus contagia. Segundo levantamento do Imperial
College de Londres, o R0 brasileiro caiu de 1 para 0,94 na última semana, o
menor desde abril. O valor abaixo de 1,0 indica que a expansão da epidemia deu
lugar a uma (leve) contração.
O Imperial College ponderou em seu último relatório
que as notificações de casos e mortes no Brasil estão passando por mudanças e,
por isso, a análise dos dados do país exige cautela.
Dentro da margem de erro adotada, o R0 brasileiro pode
variar de 0,90 para 1,01. Em julho, o país apresentou média de 1,01, e foi
classificado como “fora de controle”. O Brasil tem agora taxa menor do que
outros países sul-americanos, como Venezuela (1,06), Argentina (1,09) e
Paraguai (1,32).
Um dos fatores especulados para explicar a
desaceleração da epidemia no Brasil é a “imunidade de rebanho”, que ocorre
quando grande parcela da população já se infectou e ganha algum grau de
proteção contra novos contágios.
— Pode ser que, em alguns lugares muito atingidos,
como Amazonas, Pará e Maranhão, as populações estejam chegando a um percentual
alto de imunidade e com isso haja uma disseminação menor dos casos, mas isso
não quer dizer ainda que já tenham imunidade de rebanho — diz o médico Alberto
Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia. — No país
inteiro ainda existe muita gente suscetível. No Rio de Janeiro tivemos um pico
grande entre maio e junho, depois em julho começou a cair, mas as mortes
voltaram a crescer assustadoramente agora.
Rebanho suscetível
O infectologista concorda que a tendência das próximas
semanas é mesmo de queda, mas pede cautela.
— Existe motivo para ser otimista, mas o processo de
flexibilização em cada lugar precisa ser feito devagar, ao contrário daquilo
que foi feito no Rio, onde vemos esse repique — alerta.
Apesar da queda no número de mortes, o número de novos
casos, incluindo as ocorrências não letais, custa a esboçar queda.
Especialistas atribuem esse fenômeno, em parte, à
maior capacidade de testagem que o país foi construindo aos poucos. Agora um
número maior de casos leves está sendo diagnosticado. Não se sabe, porém, se
uma parte desse componente se deve aos “repiques”. É muito provável que hoje ou
amanhã o país chegue à marca dos 4 milhões de casos registrados.
Por ainda estar sujeita a algumas incertezas, a
interpretação da queda nos números de mortes ficará “sob observação”, diz
Lotufo.

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