domingo, 7 de dezembro de 2025

Opinião do Estadão: Morde e assopra

 


A campanha à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva já começou, e o petista escolheu seu inimigo. Com o ex-presidente Jair Bolsonaro preso e definitivamente fora da disputa, Lula só precisava definir um antagonista para culpar pelos problemas que ele não quis ou não conseguiu resolver, e o Congresso, ao menos neste momento, vestiu a carapuça.

De um lado, a combinação entre inflação mais baixa e desemprego no menor nível histórico já deixa o terreno confortável para o incumbente em um pleito que é, de certa forma, um plebiscito sobre a aprovação ou reprovação de seu mandato. Já as trapalhadas do clã familiar de Bolsonaro na tentativa de livrá-lo da cadeia presentearam o petista com a bandeira da soberania nacional no malfadado tarifaço dos Estados Unidos.

Em contrapartida, Lula tem na segurança pública um enorme telhado de vidro, e sua insistência em tratar do assunto pelo viés da desigualdade social, mesmo após o apoio da população à megaoperação policial nos Complexos do Alemão e da Penha no Rio de Janeiro, fez seu índice de rejeição voltar a subir após meses de recuperação nas pesquisas. Mas, como a candidatura da oposição ainda parece indefinida, o Congresso tem facilitado bastante a vida do presidente na busca de um adversário com quem rivalizar.

A aprovação de pautas-bomba e a derrubada indiscriminada de vetos presidenciais à nova lei do licenciamento ambiental são os episódios mais recentes a piorar a imagem do Legislativo. Ademais, se encaixam bem na releitura que Lula tem feito da narrativa do “nós contra eles”, retomada desde a tramitação do projeto que isentava o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais e taxava os mais ricos.

Mas o petista não é ingênuo e sabe que não pode prescindir completamente do Congresso para governar. Por isso, investe em um conveniente morde e assopra e sabe bem onde pisar. O discurso é duro, mas suas ações são um verdadeiro afago e focam naquilo que mais importa aos deputados e senadores.

Afinal, o presidente que criticou abertamente a obrigatoriedade de pagamento das emendas parlamentares e acusou o Congresso de ter “sequestrado” o Orçamento é o mesmo que discretamente assentiu com a criação de um inédito calendário para a execução dessas indicações.

Estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada na semana passada pelo Congresso, o calendário era uma demanda antiga dos parlamentares e vai garantir que 65% das emendas individuais, Pix e de bancada terão de ser pagas até o fim do primeiro semestre de 2026. Isso significa que mais de R$ 12 bilhões chegarão às bases dos atuais deputados e senadores a poucos meses da eleição.

Para Lula, o estabelecimento da obrigatoriedade das emendas, aprovado por meio de emenda constitucional, foi um “grave erro histórico”, mas a medida, segundo ele, só cairá quando mudarem “as pessoas que governam e que aprovaram isso”. Ora, se Lula realmente acreditasse no que disse, ele jamais poderia ter compactuado com o calendário incluído na LDO. O artifício certamente vai desequilibrar a disputa a favor de quem já tem mandato, contribuindo para perpetuá-los no poder e, assim, manter o caráter impositivo das emendas.

A questão é que Lula não sairá de mãos abanando. Com o acordo, os parlamentares deram ao governo autorização para ignorar o centro da meta fiscal e mirar em seu limite inferior em 2026. Assim, em vez de buscar um saldo positivo de R$ 34,3 bilhões entre receitas e despesas, o Executivo poderá registrar um déficit de até R$ 23,3 bilhões.

Lula, portanto, poderá gastar mais e ainda assim dizer que tem responsabilidade fiscal, uma vez que a meta será cumprida. Já o Congresso pode até ser alvo das críticas do presidente, mas não correrá o risco de ver suas emendas bloqueadas.

Providencialmente, em meio à sessão na qual a LDO era aprovada, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), telefonou para o Palácio do Planalto para questionar a que Lula se referia quando mencionou o “sequestro” do Orçamento, mas nem por isso deixou de aprovar a proposta. O combinado, afinal, só saiu caro para a sociedade.

Opinião do Estadão

 

 

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