A proposta do presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), ministro Edson Fachin, de instituir um código de conduta para os
integrantes da Corte irritou a maioria de seus pares. Basta dizer que,
publicamente, só consta que a ministra Cármen Lúcia o estaria apoiando nessa
faina. Mas, se Fachin está isolado dentro do STF, certamente não está sozinho
fora da Corte. Prova disso é o manifesto subscrito por 212 cidadãos
insuspeitos, publicado ontem em jornais de grande circulação, em apoio
explícito à adoção de regras de comportamento mais claras para os ministros da
Corte.
O manifesto é eloquente não só por seu conteúdo, mas
sobretudo por quem o assina. São economistas, empresários, jornalistas,
acadêmicos, cientistas políticos, advogados e artistas, entre outros, que
afirmam que “o Judiciário, Poder que deve representar o exemplo mais elevado de
ética, conduta e valores democráticos, hoje revela fragilidades que corroem a
grandeza de sua missão institucional”. Trata-se de um diagnóstico correto
formulado por um grupo plural, moderado e absolutamente insuspeito, impossível
de ser associado ao golpismo bolsonarista que tanto atacou o STF nos últimos
anos. Ao contrário: todos os signatários são genuínos democratas, brasileiros que
querem um STF forte, respeitado e à altura de sua posição na República.
Diz-se que o desconforto interno com a iniciativa de
Fachin decorre, em grande medida, do momento em que ela foi apresentada.
Recentemente, vieram a público fatos perturbadores que expuseram as ligações
perigosas entre os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes e o Banco
Master. A atuação sigilosa de Toffoli como relator das investigações contra
executivos do banco e o contrato de quase R$ 130 milhões firmado entre o Banco
Master e o escritório de advocacia da mulher de Moraes, Viviane Barci,
sobressaltaram a Nação e acenderam os holofotes sobre os limites éticos a serem
observados no exercício da judicatura na mais alta Corte do País.
Porém, não se trata aqui de personalizar as críticas
aos ministros citados nem tampouco de atribuir a este ou àquele a
responsabilidade exclusiva pela degradação institucional do Supremo nos últimos
anos. Entre os 11 (por ora 10), o País sabe distinguir muito bem aqueles que
exercem a magistratura com discrição, espírito público e respeito à liturgia do
cargo daqueles que confundem a toga – que não lhes pertence, mas à República –
com um manto para encobrir seus abusos e os conflitos de interesses nos quais
se deixam envolver. O dano, porém, nunca é individual: recai sobre todo o STF
e, no limite, sobre todo o Judiciário nacional.
Convém lembrar, ainda, que Fachin não descobriu
agora a necessidade de um código de conduta para os ministros do STF. Há algum
tempo ele defende essa agenda, justamente porque há algum tempo alguns
ministros do STF dão demonstrações de descaso com a própria reputação
individual, com a da Corte e, principalmente, com a opinião pública.
Não é sem razão, portanto, que os signatários do
manifesto público, de forma cívica e corajosa, vocalizam um desconforto que
seguramente não é só deles. Viagens custeadas por empresários com interesses em
jogo no STF, palestras generosamente remuneradas travestidas de “aulas”,
relações perigosamente próximas de ministros com agentes econômicos e políticos
interessados em suas decisões judiciais ou influência passaram a ser tratadas
com normalidade, o que incomoda todos os cidadãos de boa-fé que só querem uma
Suprema Corte limitada a cumprir sua missão com zelo e dignidade, sem se
imiscuir em searas alheias às suas atribuições constitucionais. Não é pedir
muito.
Em editorial recente (Força, ministro Fachin,
15/12), manifestamos nosso apoio incondicional à iniciativa do presidente do
STF. O manifesto publicado no dia seguinte apenas reforçou a percepção de que o
problema apontado por este jornal não está na proposta do ministro, mas nos
desvios de comportamento que a tornam tão premente. Quando cidadãos sem vocação
golpista, algumas das cabeças mais brilhantes do País, sentem-se compelidos a
vir a público para pedir padrões mínimos de ética ao STF, é sinal de que os
limites dos pecadilhos toleráveis já foram ultrapassados. Algo realmente está
fora do lugar.
Opinião do Estadão

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