quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

Mulher de Moraes tem causa milionária contra prefeitura de Natal

 


A advogada Viviane Barci, esposa do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, concentra atualmente sua atuação na Corte em um processo de cifras milionárias contra o Município de Natal. A banca da família Moraes representa a empresa Henasa Empreendimentos Turísticos em uma disputa para garantir o recebimento de precatórios que somam cerca de R$ 95 milhões.

O litígio tem origem em um acordo firmado com a prefeitura da capital potiguar, decorrente de uma indenização judicial total estimada em aproximadamente R$ 190 milhões. O pagamento das parcelas foi suspenso por uma decisão do Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte, o que motivou o recurso à instância máxima do Judiciário.

O processo chegou ao Supremo em 2023 e foi distribuído ao ministro Nunes Marques. Embora a empresa tenha obtido uma decisão favorável, o caso ainda aguarda julgamento definitivo devido à interposição de um recurso interno.

Viviane e o STF foram procurados, mas não se manifestaram. A Henasa foi procurada por telefone e e-mail para se manifestar, mas não retornou aos contatos da reportagem até o momento. O espaço está aberto.

Levantamento do Estadão mostra que o escritório de Viviane acumula 13 derrotas e 8 vitórias em processos que tramitam na Corte desde 2013.

Desde 2013, Viviane atuou em 31 processos no Supremo. Entre 2013 e 2016, foram nove ações, das quais o escritório obteve quatro vitórias, duas derrotas, além de três processos encerrados sem julgamento de mérito, por razões como nulidade, perda de objeto, retorno ao tribunal de origem ou reconhecimento de prejuízo em razão de decisões de outras instâncias.

A atuação do escritório de advocacia do qual Viviane Barci de Moraes e os dois filhos do ministro são sócios passou a ser alvo de questionamentos após a revelação de um contrato de R$ 129 milhões firmado com o Banco Master, instituição que acabou liquidada em meio a suspeitas de fraudes financeiras.

O caso envolvendo o Banco Master tramita no STF sob a relatoria do ministro Dias Toffoli. Em novembro, Toffoli foi alvo de questionamentos após viajar a Lima, no Peru, em um jato particular ao lado de um advogado ligado ao caso, durante a final da Taça Libertadores. Após a viagem, o ministro decretou sigilo dos autos e barrou o acesso da CPI do INSS a documentos obtidos com a quebra de sigilos bancário e fiscal.

Episódios como esses deram novo fôlego à discussão sobre padrões éticos no Supremo, fortalecendo a iniciativa defendida pelo presidente da Corte, Edson Fachin, que tem se manifestado publicamente a favor da criação de um código de conduta para os ministros do STF, com regras mais claras sobre conflitos de interesse e transparência na atuação do tribunal.

Como mostrou o Estadão, Fachin pretende instituir um código de ética para magistrados de tribunais superiores, incluindo o Supremo, inspirado no conjunto de regras adotado pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha.

A proposta prevê, entre outros pontos, limites mais claros à participação de ministros em eventos, ao recebimento de cachês por palestras e a outras formas de autocontenção voltadas à preservação da imagem institucional da Corte.

A posição de Fachin também foi endossada por uma iniciativa que reúne assinaturas de empresários, acadêmicos, ex-autoridades e integrantes da sociedade civil, que defendem a adoção de um código de ética para os tribunais superiores.

Internamente, porém, o movimento do presidente da Corte enfrenta resistência entre os demais ministros do tribunal. Para tentar contornar esse cenário, Fachin tem adotado uma estratégia de conversas individuais, buscando reduzir objeções e construir consenso em torno da proposta.

Mesmo diante da resistência interna, Fachin tem reiterado publicamente a defesa do código. Na última sexta-feira, 19, no discurso de encerramento do ano Judiciário, o presidente do STF afirmou que os magistrados têm o dever de exercer suas atribuições “com rigor técnico, sobriedade e consciência histórica”.

“Não poderia, nessa direção, deixar de fazer referência à proposta, ainda em gestação, de debatermos um conjunto de diretrizes éticas para a magistratura”, afirmou.

Precatório tem origem no Hotel Praia Azul

A disputa judicial se arrasta há quase quatro décadas quando, em 1988, um embargo administrativo imposto pela Prefeitura de Natal à construção do Hotel Praia Azul, da Henasa Empreendimentos Turísticos, em Ponta Negra, deu origem a uma longa batalha judicial que atravessou diferentes instâncias e se transformou em um dos mais controversos casos de precatórios do Rio Grande do Norte. Naquele ano, a obra foi paralisada por determinação do então Iplanat, após reclamação do francês Michel Claude Guicard-Diot, que alegava danos estruturais em sua residência. Técnicos do instituto teriam constatado irregularidades no projeto.

O embargo administrativo durou apenas 48 horas após uma liminar judicial tornar sem efeito a decisão do Município. Ainda assim, a paralisação motivou uma série de ações judiciais. Michel Claude ingressou com processo contra a Henasa, enquanto a empresa abriu duas frentes judiciais contra ele e contra a Prefeitura, alegando prejuízos decorrentes do embargo considerado irregular. O hotel nunca chegou a ser construído.

Contra o Município, a Henasa pleiteou indenização pelos danos supostamente causados pela interrupção da obra. Em 1995 houve a consolidação do título judicial, que fixou a indenização em R$ 17 milhões. O caso ganhou novo impulso em 2009, quando o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte atualizou o valor do precatório para cerca de R$ 191 milhões. No mesmo ano, a Prefeitura de Natal firmou um acordo judicial com a Henasa para quitação parcelada da dívida, estabelecendo o montante em aproximadamente R$ 95 milhões, divididos em dez anos.

Mas, em abril de 2012, o acordo passou a ser questionado após análise do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RN), que apontou indícios de superfaturamento e possíveis irregularidades nos cálculos do precatório. À época, cerca de R$ 20 milhões chegaram a ser pagos à empresa. A Procuradoria Geral do Município admitiu a existência de erros de cálculo, mas contestou os valores apontados pelo TCE negando qualquer conluio e afirmou que seguiu orientação do escritório paulista contratado pela Prefeitura, comandado pelo jurista Cândido Rangel Dinamarco, responsável pela condução técnica do processo.

Segundo argumentou, a conferência dos cálculos não era atribuição da Procuradoria Municipal, sendo que ele só tomou conhecimento do precatório ao assumir o cargo. A Procuradoria relatou ainda que o próprio Tribunal de Justiça teria convocado as partes para conciliação e que, antes de firmar o acordo, esteve em São Paulo, em outubro de 2009, onde recebeu orientação verbal para celebrar o entendimento. O parecer formal do escritório, segundo ele, foi anexado posteriormente por cautela administrativa.

No mês seguinte, em maio de 2012, o TCE apontou que o valor correto da dívida, atualizado, seria de aproximadamente R$ 72 milhões, bem abaixo dos R$ 191 milhões recalculados pelo Judiciário e determinou a suspensão do pagamento do precatório. A Henasa reagiu afirmando que a suspensão era ilegal e sustentou que apenas o Judiciário poderia interferir no pagamento de precatórios. A empresa divulgou parecer contábil segundo o qual a quebra do acordo elevaria o custo final para os cofres públicos, já que, com a incidência de juros até 2019, o valor poderia chegar a R$ 119 milhões. O TCE, por sua vez, contestou os números apresentados e apontou divergências técnicas, inclusive quanto à incidência de juros em períodos nos quais o pagamento esteve judicialmente suspenso.

Em março de 2014, o caso teve um desdobramento decisivo na primeira instância. O juiz Airton Pinheiro, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Natal, determinou que a Henasa deveria restituir o que já havia sido pago pelo Município e proibiu qualquer novo pagamento relacionado à indenização. O magistrado reconheceu vício de citação e entendeu que três dos cinco itens liquidados em favor da empresa nunca haviam sido objeto da ação original de 1988, afirmando que o embargo administrativo de apenas 48 horas não justificaria indenização milionária. A sentença dizia que, caso houvesse reversão em instâncias superiores, a empresa retornaria à posição original na fila de precatórios do Município.

Em 2015, o Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão do TCE, reconhecendo a competência do órgão de controle para analisar a legalidade administrativa dos atos relacionados ao cálculo e processamento da dívida. Agora, o caso segue no Supremo Tribunal Federal, onde se discute o alcance do controle exercido pelos tribunais de contas e a validade de acordos judiciais firmados em precatórios que possam causar prejuízo ao erário.

 

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