Abraão Lincoln Ferreira da Cruz, presidente da
Confederação Brasileira dos Trabalhadores de Pesca e Aquicultura (CBPA) – uma
das associações sediadas em Brasília e investigadas por embolsar R$ 221,8
milhões na Farra do INSS, foi condenado em agosto deste ano por “caixa 2” nas
eleições de 2014.
Naquele ano, Abraão se candidatou a uma vaga no
Congresso Nacional pelo estado do Rio Grande do Norte. À época, ele teria
utilizado a conta bancária de uma auxiliar de secretaria subordinada a ele para
receber valores não declarados à Justiça Eleitoral.
Segundo o Ministério Público, na conta da mulher,
usada como laranja, “vultuosos” valores circulavam. Conforme apurado pelo
órgão, um filho de Abraão era responsável por sacar o dinheiro, quando o
montante não era encaminhado para outras contas, como a da esposa do
aposentado.
A investigação eleitoral teve início após
desdobramento da Operação Enredados. Inicialmente voltada para apurar crimes
ambientais e de lavagem de capitais no setor pesqueiro, a ação também acabou
revelando elementos que apontavam para a prática de ilícitos eleitorais a
partir da quebra de sigilo do celular de um suspeito.
Durante as fases do processo, o Ministério Público
Eleitoral identificou um repasse de um policial militar no valor de R$ 86 mil
para a conta laranja. Ao MP o homem disse que prestou serviços ao réu, mas não
conseguiu explicar a transferência. Além do PM, a esposa de Abraão também teria
depositado R$ 46 mil na conta da trabalhadora.
Em depoimento, o presidente da CBPA disse que os
valores depositados eram frutos de uma “vaquinha” arrecadada pela Confederação
da Pesca para “fomentar os movimentos nacionais do setor”. No entanto, ao ser
indagado sobre o motivo de o dinheiro não ter entrado na conta da própria
entidade ou até mesmo na conta dele, Abraão desconversou.
Na ação, o aposentado negou ter feito caixa 2 e
declarou, ainda, que os valores seriam utilizados para o evento “Gritos da
Pesca”. O Ministério Público, porém, informou que em uma “simples pesquisa no
Google” foi possível verificar que o encontro ocorreu em momento “totalmente
diferente da movimentação bancária”.
Organização criminosa
Em 2015, Abraão Lincoln Ferreira da Cruz foi um dos
18 alvos da Operação Enredados, deflagrada pela Polícia Federal (PF). À época,
a investigação revelou esquema de crimes ambientais e contra a administração
pública com ramificações em diversos estados, cuja sede era em Brasília.
A prisão preventiva de Abraão foi decretada em 14 de
outubro de 2015. No documento, ele é citado como líder da organização criminosa
que atuava junto ao extinto Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). As
acusações formais imputadas a Abraão incluíam corrupção ativa, crimes contra o
meio ambiente, emissão de autorização em desacordo com as normas ambientais e
crimes praticados por particular contra a administração.
Segundo a operação, Abraão agia na liderança do
grupo, juntamente a outros indivíduos, para obter atos administrativos ilícitos
junto ao MPA. As ações incluíam emissão de licença para a venda de arraias com
finalidade ornamental e ampliação da capacidade de estocagem desses animais por
empresas laranjas.
Após solicitação da defesa, o presidente da CBPA foi
solto em janeiro de 2016. O processo ainda tramita na Justiça.
Prisão do presidente
Em 4 de novembro deste ano, Abraão foi preso
novamente, dessa vez pela CPMI do INSS sob a acusação de falso testemunho. Na
ocasião, o sindicalista teria mentido sobre conhecer o tesoureiro da CBPA,
Gabriel Negreiros – que é padrinho de um neto dele. Ao longo da sessão, o
deputado federal Duarte Jr. (PSB-MA) apresentou uma foto do batizado da criança
e também afirmou que Abraão Lincoln depositou R$ 5 milhões em uma conta de
Negreiros.
“Ele (Abraão Lincoln) chama de relação institucional
depositar R$ 5 milhões na conta do Gabriel Negreiros, que nada mais é do que
padrinho do neto dele. Ele ser padrinho do seu neto é relação institucional?”,
questionou Duarte Jr.
Após ser pressionado pelo deputado, Abraão Lincoln
disse que se confundiu ao responder o relator da CPMI, deputado Alfredo Gaspar,
a respeito da relação com Negreiros. Segundo a comissão, Abraão também teria
mentido em outros quatro momentos.
Na mesma data, o presidente da CBPA pagou fiança e
foi liberado.
Careca do INSS e ligações políticas
Abraão Lincoln já comandou o Republicanos no Rio
Grande do Norte e foi candidato a deputado federal pelo partido em 2018.
Ele mantém relação com políticos da legenda, tanto
figuras regionais como nacionais. A influência se estende também ao próprio
INSS.
Em 2024, o ex-diretor de benefícios André Fidelis
pegou uma diária somente para ir a uma festa da entidade. Investigado pela PF,
Fidelis foi exonerado do cargo em julho do ano passado, após reportagens da
Farra do INSS.
A CBPA ainda aparece como uma das entidades que
pagou o lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, um dos pivôs
do escândalo revelado pelo Metrópoles.
A reportagem esteve no local em que está localizada
a sede da associação. Na pequenina sala comercial, apenas uma funcionária
costuma aparecer. O horário da mulher, apontada como secretária, também chama a
atenção. Conforme testemunhas, ela permanece no endereço por aproximadamente
duas horas por dia.
Segundo um relatório da Controladoria-Geral da União
(CGU), a CBPA “não possui infraestrutura para localização, captação,
cadastramento e muito menos fornecimento de serviços” compatíveis com o
registro de milhares de associados, espalhados por mais de 3,6 mil municípios. Mesmo
assim, até 2025, a associação conseguiu 757 mil cadastrados.
De acordo com CPMI que apura as fraudes, dos 215 mil
aposentados e pensionistas vinculados à confederação que reclamaram de
descontos, 99% não teriam autorizado a entidade a aplicar as deduções de seus
benefícios no INSS.
Crescimento exponencial
A CBPA foi criada em 2020. Dois anos depois, obteve
o acordo de cooperação técnica com o INSS – que permite os descontos nos
benefícios, mesmo sem ter nenhum associado.
Apesar da falta de empregados, em 2023 o número de
pessoas ligadas à CBPA passou de quatro, em maio, para mais de 340 mil
associados no fim do ano, resultando em arrecadação anual de R$ 57,8 milhões.
No primeiro trimestre de 2024, auge da farra dos
descontos indevidos, o número de filiados saltou para 445 mil, e o faturamento
bateu R$ 41,2 milhões no período.
Durante sessão na CPMI do INSS, o deputado Alfredo
Gaspar (União-AL) classificou, em tom de crítica, o aumento no número de
cadastros da associação como um “case” de sucesso. “Até 2025, eles conseguiram
757 mil cadastros, que correspondem a mais de R$ 221 milhões no período de dois
anos”, disse o parlamentar.
De acordo com informações obtidas pela coluna Tácio
Lohan, do Metrópoles, a CGU suspeita que a confederação tenha contratado uma
empresa de telemarketing para buscar as filiações, o que é vedado, conforme os
termos do acordo de cooperação técnica (ACT) com o INSS.
“Considerando o mês com 22 dias úteis e 8 horas de
jornada de trabalho diário, a CBPA teria adicionado 8.524,86 descontos
associativos por dia útil, isto é, 17,76 descontos por minuto”, pontuou o
órgão.
“A CBPA não tem registro de nenhum funcionário junto
à RAIS [Relação Anual de Informações Sociais], mas os quantitativos de
descontos associativos adicionados são tão elevados que, mesmo que associação
alegasse possuir 100 funcionários, os descontos associativos nessa quantidade
ainda seriam improváveis de terem sido incluídos com observância de todas as
formalidades legais e contratuais”, concluiu a CGU.
Segundo a Controladoria-Geral da União, a CBPA
também teria solicitado mais de 40 mil vezes a inclusão de descontos em
benefícios de pessoas mortas.
Farra no INSS
O escândalo do INSS foi revelado
pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro
de 2023.
Três meses depois, o portal mostrou que a
arrecadação das entidades com descontos de mensalidade de aposentados havia
disparado, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto as associações
respondiam a milhares de processos por fraude nas filiações de segurados.
As reportagens do Metrópoles levaram à
abertura de inquérito pela Polícia Federal (PF) e abasteceram as apurações da
Controladoria-Geral da União (CGU).
No total, 38 matérias do portal foram listadas pela
PF na representação que deu origem à Operação Sem Desconto, deflagrada no dia
23/4 e que culminou nas demissões do presidente do INSS e do então ministro da
Previdência, Carlos Lupi.
O outro lado
Ao Metrópoles a defesa de Abraão Lincoln
disse que “recorreu e o TRE-RN ainda não julgou o recurso”. “O caixa 2 seria,
segundo a denúncia, gastos na contabilizados que correspondem a uma fração
irrisória do gasto total declarado”, disse Emanuel Grilo, advogado de Abraão.
“Naquele tempo não havia teto de gastos de campanha,
e cada partido informava à justiça eleitoral quanto gastaria, de modo que não
faria sentido sonegar documentos da prestação de contas deliberadamente”,
finalizou.
Com informações do Metrópoles

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