Com a redução das chuvas ao longo de 2025 e a
ausência de recarga significativa nos principais mananciais, o Rio Grande do
Norte atravessa um dos períodos mais delicados do ponto de vista hídrico dos
últimos anos. Dados atualizados do Instituto de Gestão das Águas do RN (Igarn)
mostram que os 69 reservatórios monitorados no estado acumulam atualmente 2,09
bilhões de metros cúbicos de água, o equivalente a 39,63% da capacidade total.
Do total de mananciais acompanhados, 55 estão abaixo de 50% do volume e 16
operam em situação crítica, com menos de 10%, cenário que se concentra
principalmente nas regiões do Seridó e do Alto Oeste potiguar.
Segundo o Igarn, “neste período do ano, em razão da
baixa incidência de chuvas em todo o Rio Grande do Norte, o comportamento
esperado é o rebaixamento das reservas hídricas”, com possibilidade de alguma
recarga apenas a partir de fevereiro, durante a quadra chuvosa. Para 2026, a
expectativa técnica do órgão é de que as chuvas fiquem ao menos dentro da média
histórica, cenário que seria suficiente para garantir o abastecimento humano,
desde que os sistemas de adução estejam plenamente operacionais.
A situação dos reservatórios se reflete diretamente
no cotidiano da população. Dados da Defesa Civil apontam que 124 dos 167
municípios potiguares estão atualmente com decreto de situação de emergência
reconhecido em decorrência da seca. Desses, 82 são atendidos pela Operação
Carro-Pipa na zona rural, beneficiando cerca de 88 mil pessoas com o uso de 225
veículos. Além disso, 75 municípios já estão aptos a receber cestas básicas do
Ministério do Desenvolvimento Social, enquanto outros 29 seguem em análise,
totalizando 104 localidades contempladas.
Para a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos
Recursos Hídricos (Semarh), a situação atual é considerada preocupante em
decorrência da falta de chuva em praticamente todo o território do RN. “O
Estado do Rio Grande do Norte já vem num planejamento de curto e médio prazo,
executando obras estruturantes na região do Seridó, que é a implantação do
Projeto do Sistema Adutor Seridó Norte, em parceria com o Governo Federal, e
que está previsto entrar em operação no segundo semestre de 2026, com captação
na Armando Ribeiro Gonçalves, além do início das obras da Adutora do Agreste
Potiguar”, explica. A pasta estadual também ressaltou a recuperação de 28
barragens em diferentes regiões do estado, com investimento superior a R$ 18
milhões.
Esses números da seca estão sendo vivenciados mesmo
após a chegada das águas do Rio São Francisco ao Rio Grande do Norte, iniciada
em 13 de agosto. O Projeto de Integração de Águas do Rio São Francisco (PISF),
possui 477 quilômetros de extensão, distribuídos nos eixos Norte e Leste, com
capacidade de beneficiar cerca de 12 milhões de pessoas em 390 municípios de
quatro estados do Nordeste. Pelo Eixo Norte, que atende diretamente o Seridó
potiguar, a água parte de Cabrobó, em Pernambuco, atravessa a Paraíba e o Ceará
até alcançar o território potiguar, com vazão inicial de 2,95 metros cúbicos
por segundo.
Segundo a Semarh, a chegada das águas do Rio São
Francisco no estado do RN se dá através de duas bacias hidrográficas: a do
Apodi-Mossoró e a do Piancó-Piranhas-Açu, sendo que, neste momento, o aporte
está ocorrendo apenas no Piancó-Piranhas-Açu. A pasta explica que as águas
estão sendo armazenadas na Barragem Oiticica, que, a partir dela, atende a um
conjunto de sistemas adutores.
“Na Bacia Hidrográfica do Rio Apodi-Mossoró, essas
águas entraram a partir do reservatório de Angicos e depois transferirão as
águas até a Barragem de Pau dos Ferros, permitindo que cheguem à Barragem de
Santa Cruz do Apodi. Por enquanto, a previsão para a chegada das águas na Bacia
Hidrográfica do Rio Apodi-Mossoró é para o segundo semestre de 2026”, esclarece
a Semarh.
Risco produtivo no campo
O presidente do Sistema Faern/Senar, José Vieira,
avalia que a estiagem em curso no Rio Grande do Norte já ultrapassa o campo climático
e se consolida como um problema socioeconômico de grandes proporções,
especialmente no meio rural. Segundo ele, a redução das chuvas nas principais
regiões produtoras compromete a disponibilidade de água e forragem, eleva
custos e pressiona a renda dos produtores, com reflexos diretos sobre cadeias
estratégicas da agropecuária potiguar.
“O impacto é transversal, mas a pecuária leiteira
vive um momento dramático. A falta de pastagem e água eleva os custos de
produção, forçando o produtor a vender matrizes para o abate, o que destrói o
patrimônio genético construído em décadas. A agricultura de sequeiro (milho e
feijão) registra perdas quase totais em diversas localidades devido à falta de
umidade no solo. Além disso, a ovinocaprinocultura e a cana-de-açúcar enfrentam
o esgotamento das reservas hídricas, o que inviabiliza a manutenção produtiva
em curto prazo”, relata José Vieira.
Para a entidade, as ações adotadas até o momento
ainda não acompanham a dimensão do problema e exigem reforço imediato. Vieira
defende a ampliação de medidas emergenciais, como o fortalecimento da Operação
Carro-Pipa e o acesso facilitado a insumos e crédito, além da aceleração de
obras estruturantes de infraestrutura hídrica. Na avaliação do presidente da
Faern, sem uma resposta mais robusta e uma recarga significativa dos
reservatórios no próximo período chuvoso, “o risco não é apenas a perda da
safra atual, mas a descapitalização total do produtor, que pode não ter
recursos para retomar as atividades no futuro”.
A estiagem também afeta diretamente os assentamentos
da reforma agrária espalhados pelo estado. De acordo com o Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (Incra), dos 124 municípios potiguares que
tiveram situação de emergência reconhecida pelo Ministério da Integração e do
Desenvolvimento Regional (MIDR), 50 possuem Projetos de Assentamento,
totalizando 219 áreas. O órgão ressalta, no entanto, que não é possível
precisar quantos desses assentamentos enfrentam, neste momento, situação
crítica de abastecimento de água, uma vez que o decreto municipal de emergência
não significa, necessariamente, dificuldade hídrica em todas as comunidades
rurais.
Para minimizar os impactos da seca, o Incra informa
que tem priorizado os assentamentos da reforma agrária em ações voltadas à
segurança hídrica. “Até o momento, 44 assentamentos no Rio Grande do Norte
contam com dessalinizadores instalados por meio do programa. Além disso, por
meio da Divisão de Infraestrutura, em parceria com entes governamentais ou de
forma direta, o Incra viabiliza a estrutura básica dos assentamentos”, informou
a pasta. Além disso, o Incra ressalta que garante aos assentados do Semiárido o
acesso à linha de crédito Semiárido, de até R$ 16 mil por família, destinada a
ações de captação, armazenamento e distribuição de água.
O secretário estadual da Agricultura, da Pecuária e
da Pesca (Sape), Guilherme Saldanha, avalia que a estiagem provocou perdas
severas na produção agropecuária do Rio Grande do Norte em 2025. Embora os
números oficiais ainda estejam em consolidação pelo IBGE, a estimativa do setor
é de que os prejuízos variem entre 70% e 80% nas regiões mais atingidas do
estado. “Exceto a região litorânea, um pouco menos atingida, todas as demais
regiões do estado também foram severamente atingidas”, explica.
De acordo com Saldanha, houve agravamento do quadro
em diferentes áreas do estado, com destaque para o Seridó, onde a seca avançou
de grave para extrema. “A seca grave avançou sobre as regiões Vale do Apodi,
Sertão Central e Oeste. Enquanto a seca moderada avançou para regiões Potengi,
Mato Grande e partes do Trairi. A seca fraca permaneceu sobre a porção Leste do
estado com pequeno avanço sobre o Litoral Norte e partes da região
Metropolitana”, aponta. A pasta agora aguarda a divulgação das previsões
climáticas para a quadra chuvosa de 2026 por institutos meteorológicos do
Nordeste e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

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