O debate em torno do fim da obrigatoriedade das
aulas de autoescola para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH)
mobiliza o setor de formação de condutores no Rio Grande do Norte. A proposta
do Ministério dos Transportes, em consulta pública até 2 de novembro, prevê que
o candidato possa escolher livremente como aprender a dirigir, sem a
obrigatoriedade de autoescolas. A medida, apresentada sob o argumento de
democratizar o acesso e reduzir custos, é vista por representantes do setor
como uma ameaça a aproximadamente 2 mil empregos diretos e aos 120 Centros de
Formação de Condutores (CFCs) no Estado.
De acordo com o presidente do Sindicato dos Centros
de Formação de Condutores do Rio Grande do Norte (SindCFC-RN), Eduardo Domingo,
o impacto pode ser devastador. “Nenhum sindicato foi convidado para discutir
essa proposta. Desde julho, nosso movimento caiu 80%. Eu mesmo, dos meus 23 funcionários,
já demiti oito, e posso demitir mais. A grande maioria vai ficar desempregada.
A população vai ver muito CFC no Brasil inteiro fechar à noite e não abrir
mais”, afirma.
Pela minuta em consulta, o processo para obter a CNH
continuará exigindo exames teórico e prático, mas as autoescolas deixam de ser
obrigatórias. O curso teórico poderá ser feito on-line, em escolas públicas de
trânsito, ou de forma autônoma, e as aulas práticas passam a ser opcionais,
podendo ser contratadas de um instrutor credenciado ou realizadas com veículo
próprio. O Ministério dos Transportes estima que a medida reduza o custo de
obtenção da CNH em até 80%. No RN, o custo atual da CNH é de R$ 2.806, segundo
dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran).
Para os alunos, o medo é de que o novo modelo
comprometa a formação. Kelly Maria, 28, que está finalizando as aulas de carro
e moto, diz que não vê sentido em abrir mão do treinamento profissional. “É de
suma importância a gente ter o aprendizado na autoescola. Acho inadmissível
tirar isso, porque pode diminuir a qualidade dos motoristas”, afirma. Já Eric
Alvino, 30, que também está concluindo as aulas de moto, considera que “a
autoescola está aí para ensinar”. “Se for fazer a prova sem ter o aprendizado,
acho que fica mais difícil. Com o professor, a gente se sente mais seguro”,
disse.
Renildo Duarte, diretor de uma autoescola em
Candelária, considera que o problema não está na existência das aulas, mas nas
exigências impostas pelo poder público. “Eu tenho que ter um carro com no
máximo 10 anos de uso. Tenho que manter uma sala de aula para 35 pessoas mesmo
sem ter aluno presencial. O custo da estrutura é altíssimo. O custo é R$ 6 mil
só de prédio”, explica. Segundo ele, uma alternativa seria flexibilizar pacotes
de aulas. “Tem aluno que já pilota e poderia fazer seis ou 10 aulas, pagando só
por elas. Isso reduziria o custo e manteria a obrigatoriedade”, defende.
Assim como Eduardo, o diretor Renildo constata o
impacto negativo nas contas causadas pela medida do Governo Federal, mesmo
ainda sem vigor. “A minha situação também é a mesma, teve uma queda de 80% na
procura da autoescola. Hoje estou com 23 funcionários, já precisei reduzir 3
por causa da baixa na demanda. Infelizmente vai se agravar”, relata.
Eduardo Domingo também critica o argumento de
barateamento apresentado pelo governo. “Por que ele não mexeu nas taxas do
Detran? A taxa de habilitação para carro e moto no Rio Grande do Norte é de R$
516, e isso não vai baixar. Desse total, R$ 160 são referentes ao exame médico
e psicológico, R$ 186 da prova teórica e mais R$ 170 do aluguel do carro. Se
querem reduzir custo, que comecem por aí”, disse. Para ele, o modelo proposto
“é um retrocesso”.
Procurado, o Departamento Estadual de Trânsito do RN
(Detran-RN) informou que está acompanhando a consulta pública aberta pelo
governo federal e que, como órgão executivo de trânsito, “executará as
determinações”. O projeto, após a fase de contribuições, será analisado pelo
Conselho Nacional de Trânsito (Contran). O texto da minuta destaca que o novo
modelo busca ser “mais acessível, flexível e desburocratizado, orientado à
segurança viária”.
Na prática, a proposta do Governo Federal cria a
figura do instrutor autônomo, que poderá atuar de forma independente, desde que
credenciado pelo Detran. Para os representantes do setor, essa mudança coloca
em risco a segurança e o controle de qualidade. “Como é que ele vai trabalhar?
Vai dar aula gratuitamente no carro dele? E quem vai se responsabilizar se um
aprendiz causar um acidente?”, questiona Eduardo Domingo.
Renildo Duarte reforça que, além de gerar empregos,
o setor cumpre uma função social de educação. “As autoescolas são o único
espaço que realmente ensina direção defensiva, legislação e cidadania no
trânsito. Se tirarem isso, vão banalizar o processo de formação e aumentar o
risco nas ruas”, avalia. Para ele, o governo deveria buscar soluções conjuntas.
“Não é só custo. É também segurança, responsabilidade e educação. Isso não se
improvisa”, conclui.
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