quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Opinião do Estadão: O voluntarismo temerário do sr. Dino

 


O voluntarismo temerário do sr. Dino

Ministro do STF erra na forma e no conteúdo ao tentar proteger o colega Alexandre de Moraes dos arreganhos de Trump, gerando imensa insegurança jurídica no setor bancário brasileiro

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino tomou uma decisão temerária, para dizer o mínimo, ao tentar proteger seu colega Alexandre de Moraes dos efeitos das sanções que lhe foram impostas pelo governo dos EUA em represália a suas determinações no âmbito do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Dino achou que era o caso de usar os autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.178, relativa ao desastre ambiental de Mariana (MG), para fazer um manifesto político em nome da defesa da soberania nacional contra os arreganhos do presidente americano Donald Trump. E, ao fazê-lo, o sr. Dino criou uma situação de enorme insegurança jurídica para o sistema financeiro brasileiro. Um feito e tanto para um ministro calouro na história do STF.

O caso concreto da ADPF 1.178 diz respeito à legitimidade de municípios brasileiros para propor ações judiciais perante a Justiça do Reino Unido com o objetivo de obter indenizações por supostos danos causados pelo rompimento da barragem de Mariana, ocorrido em 2015. Dino, corretamente, asseverou que “leis estrangeiras, atos administrativos e ordens executivas” emanados do estrangeiro não têm validade no Brasil, salvo quando homologados pelo Judiciário pátrio ou expressamente previstos em acordos de cooperação judiciária internacional. O problema está na instrumentalização da ADPF 1.178 para influenciar outro debate, de altíssima complexidade, envolvendo a sanção imposta pelo governo dos EUA a Moraes nos termos da Lei Magnitsky.

O ministro Dino não cita esse diploma legal estrangeiro em sua decisão, mas nem precisava. O objetivo de neutralizá-lo em solo nacional ficou mais do que evidenciado quando o próprio ministro afirmou que, quando da propositura da ADPF 1.178 pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), considerou que “não havia urgência de provimento judicial” de sua parte. No entanto, prosseguiu Dino, ele mudou de ideia ao se deparar com o “fortalecimento de ondas de imposição de força de algumas nações sobre outras”, o que o ministro enxerga como agressões a “postulados essenciais do Direito Internacional”.

Ora, como se sabe, a Lei Magnitsky não “vale” fora dos EUA – ou seja, essa lei, como quase todas as outras, não produz efeitos extraterritoriais. Vale dizer, não viola propriamente a soberania de outro país. O que a Lei Magnitsky determina é que pessoas físicas e jurídicas sujeitas à jurisdição dos EUA, estas sim, não podem ter relações comerciais com os sancionados caso queiram manter negócios naquele país. No que concerne à situação de Moraes, bancos brasileiros com operações em dólar ou negócios nos EUA não podem simplesmente seguir tendo o ministro como cliente, ignorando a sanção imposta pela Casa Branca, sob pena de sofrer duríssimas retaliações econômicas e políticas que poderiam, no limite, inviabilizar suas atividades.

O uso da Lei Magnitsky para punir Moraes foi uma medida arbitrária e sem qualquer lastro no espírito da lei. Sua instrumentalização caracteriza Donald Trump em estado bruto: um presidente que usa o descomunal poder dos EUA para impor suas vontades – no caso, subjugar o STF para livrar a cara de Jair Bolsonaro. O problema, no entanto, é outro: ao agir para proteger um colega, Dino impôs às instituições financeiras brasileiras uma escolha impossível: desobedecer ao STF e sofrer sanções no Brasil ou desrespeitar a Lei Magnitsky, pondo em risco suas operações nos EUA. Esse risco teve um preço: só nas últimas 48 horas, os maiores bancos do País perderam quase R$ 42 bilhões em valor. Ademais, se havia necessidade de analisar os efeitos da Lei Magnitsky aqui, a questão deveria ter sido apreciada no processo correto, a ação cautelar relatada pelo ministro Cristiano Zanin, instaurada para tratar especificamente desse tema.

O voluntarismo de Dino mostra como a tentação de usar o STF como espaço de militância política faz mal ao País. A Corte deveria se limitar a ser a última linha de defesa da Constituição, o que já é muita coisa, não uma central de recados político-ideológicos. Ao transformar a ADPF 1.178 em instrumento para blindar Moraes, o ministro instalou um tumulto jurídico e econômico que ninguém no Brasil, ao menos por ora, sabe como resolver.

Opinião do Estadão

 

 

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