Lula aposta no sectarismo
Ao desistir de se aproximar dos evangélicos porque o
esforço tende a não lhe render votos, o presidente revela visão estreita do que
seja governar e desprezo pela pluralidade democrática
A Coluna do Estadão informou há poucos dias que o
presidente Lula da Silva desistiu de vez de tentar se aproximar dos
evangélicos, haja vista a firme desaprovação de seu governo nesse segmento da
sociedade. Sabe-se que em política tudo pode mudar, mas a noticiada decisão do
presidente revela, se mantida, mais do que um cálculo eleitoral: expõe uma
concepção estreita do que seja governar e um lamentável desprezo pelos anseios
dos 26,9% da população brasileira que professam a fé evangélica, de acordo com
o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Lula parece ter concluído que reverter um patamar de
desaprovação acima dos 50%, segundo o Datafolha, é virtualmente impossível.
Logo, seguindo-se a lógica mesquinha do petista, não há razão para gastar
energia tentando melhorar a imagem do governo entre os evangélicos se esses
ingratos serão incapazes de lhe retribuir com votos em 2026. Ao tomar essa
decisão, Lula não apenas abdica de estabelecer um diálogo republicano com o
segmento religioso, como ainda confirma um padrão que o acompanha desde a sua
primeira passagem pelo Palácio do Planalto.
Da parte de Lula, nunca houve uma visão dos
evangélicos como cidadãos que merecem a atenção genuína do chefe de Estado e de
governo, independentemente de sua utilidade eleitoral. Sempre que se aproximou
dessa parcela da sociedade, Lula o fez por conveniência de ocasião. E sempre
que entendeu que não obteria os dividendos eleitorais que esperava, recuou. Em
seus mandatos anteriores, o diálogo estabelecido com lideranças evangélicas
tivera como norte não a escuta atenciosa dos anseios de, aproximadamente, 48
milhões de brasileiros, mas a captação de votos. Trata-se de uma visão
reducionista, que toma “os evangélicos” como um bloco monolítico, frequentemente
associado a “atraso”, “reacionarismo” ou “golpismo” – se não por Lula,
seguramente pelos devotos do demiurgo, muitos com acesso privilegiado a seus
ouvidos.
A desistência em tratar com os evangélicos também
reforça um outro aspecto relevante para a compreensão desse movimento: a
notória inapetência política de Lula neste terceiro mandato. O presidente se
mostra pouco disposto a receber parlamentares, a conversar com movimentos
sociais como outrora ou a buscar convergências com setores resistentes ao seu
“projeto”, digamos assim, para o Brasil. Em vez de governar para todos, Lula se
comporta cada vez mais como líder de facções, limitando sua atenção às bases
que já o apoiam. Tal atitude não apenas reduz a eficácia de seu governo, como
mina a própria ideia de uma Presidência republicana, o que implica ouvir e
representar a totalidade dos brasileiros – inclusive, e sobretudo, os que
divergem de Lula.
A opção por se distanciar dos evangélicos também
parece se inserir num contexto mais amplo de reorientação estratégica do PT
para o que se pode chamar de “era pós-Lula”, cada vez mais próxima. Com a
perspectiva realista de voltar à oposição em algum momento no futuro próximo, o
PT parece preparar o terreno para reocupar um espaço no qual sempre nadou de
braçada. A experiência mostra que o partido, quando na oposição, optou pela
divisão e pelo conforto da crítica, por vezes raivosa, à responsabilidade em
relação ao País. Se com o PT na Presidência já se observa essa atitude, fora do
poder será tanto mais fácil dividir a sociedade entre “ricos” e “pobres”,
“progressistas” e “reacionários” ou “democratas” e “golpistas”. E os
evangélicos, que nunca foram o público-alvo do partido, certamente não
figurarão num desses polos que o PT considera virtuosos.
Se Lula julga que não há retorno possível na relação
com os evangélicos, o problema talvez não seja a suposta intransigência de
parte do segmento religioso em reconhecer as maravilhas que o petista julga
estar fazendo pelo Brasil. O problema é a incapacidade do presidente da
República de estabelecer pontes para além de seus redutos eleitorais. A
política, afinal, é a arte de construir consensos mínimos entre divergentes em
prol da Nação. Logo, ao desistir dessa arte por não enxergar bônus eleitorais,
Lula amesquinha um dos fundamentos da boa convivência democrática e aprofunda
as divisões no País.
Opinião do Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário