terça-feira, 12 de agosto de 2025

Opinião do Estadão: Lula aposta no sectarismo

 


Lula aposta no sectarismo

Ao desistir de se aproximar dos evangélicos porque o esforço tende a não lhe render votos, o presidente revela visão estreita do que seja governar e desprezo pela pluralidade democrática

A Coluna do Estadão informou há poucos dias que o presidente Lula da Silva desistiu de vez de tentar se aproximar dos evangélicos, haja vista a firme desaprovação de seu governo nesse segmento da sociedade. Sabe-se que em política tudo pode mudar, mas a noticiada decisão do presidente revela, se mantida, mais do que um cálculo eleitoral: expõe uma concepção estreita do que seja governar e um lamentável desprezo pelos anseios dos 26,9% da população brasileira que professam a fé evangélica, de acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Lula parece ter concluído que reverter um patamar de desaprovação acima dos 50%, segundo o Datafolha, é virtualmente impossível. Logo, seguindo-se a lógica mesquinha do petista, não há razão para gastar energia tentando melhorar a imagem do governo entre os evangélicos se esses ingratos serão incapazes de lhe retribuir com votos em 2026. Ao tomar essa decisão, Lula não apenas abdica de estabelecer um diálogo republicano com o segmento religioso, como ainda confirma um padrão que o acompanha desde a sua primeira passagem pelo Palácio do Planalto.

Da parte de Lula, nunca houve uma visão dos evangélicos como cidadãos que merecem a atenção genuína do chefe de Estado e de governo, independentemente de sua utilidade eleitoral. Sempre que se aproximou dessa parcela da sociedade, Lula o fez por conveniência de ocasião. E sempre que entendeu que não obteria os dividendos eleitorais que esperava, recuou. Em seus mandatos anteriores, o diálogo estabelecido com lideranças evangélicas tivera como norte não a escuta atenciosa dos anseios de, aproximadamente, 48 milhões de brasileiros, mas a captação de votos. Trata-se de uma visão reducionista, que toma “os evangélicos” como um bloco monolítico, frequentemente associado a “atraso”, “reacionarismo” ou “golpismo” – se não por Lula, seguramente pelos devotos do demiurgo, muitos com acesso privilegiado a seus ouvidos.

A desistência em tratar com os evangélicos também reforça um outro aspecto relevante para a compreensão desse movimento: a notória inapetência política de Lula neste terceiro mandato. O presidente se mostra pouco disposto a receber parlamentares, a conversar com movimentos sociais como outrora ou a buscar convergências com setores resistentes ao seu “projeto”, digamos assim, para o Brasil. Em vez de governar para todos, Lula se comporta cada vez mais como líder de facções, limitando sua atenção às bases que já o apoiam. Tal atitude não apenas reduz a eficácia de seu governo, como mina a própria ideia de uma Presidência republicana, o que implica ouvir e representar a totalidade dos brasileiros – inclusive, e sobretudo, os que divergem de Lula.

A opção por se distanciar dos evangélicos também parece se inserir num contexto mais amplo de reorientação estratégica do PT para o que se pode chamar de “era pós-Lula”, cada vez mais próxima. Com a perspectiva realista de voltar à oposição em algum momento no futuro próximo, o PT parece preparar o terreno para reocupar um espaço no qual sempre nadou de braçada. A experiência mostra que o partido, quando na oposição, optou pela divisão e pelo conforto da crítica, por vezes raivosa, à responsabilidade em relação ao País. Se com o PT na Presidência já se observa essa atitude, fora do poder será tanto mais fácil dividir a sociedade entre “ricos” e “pobres”, “progressistas” e “reacionários” ou “democratas” e “golpistas”. E os evangélicos, que nunca foram o público-alvo do partido, certamente não figurarão num desses polos que o PT considera virtuosos.

Se Lula julga que não há retorno possível na relação com os evangélicos, o problema talvez não seja a suposta intransigência de parte do segmento religioso em reconhecer as maravilhas que o petista julga estar fazendo pelo Brasil. O problema é a incapacidade do presidente da República de estabelecer pontes para além de seus redutos eleitorais. A política, afinal, é a arte de construir consensos mínimos entre divergentes em prol da Nação. Logo, ao desistir dessa arte por não enxergar bônus eleitorais, Lula amesquinha um dos fundamentos da boa convivência democrática e aprofunda as divisões no País.

Opinião do Estadão

 

 

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