Na última semana, a Instituição Fiscal Independente
(IFI), ligada ao Senado Federal, divulgou o Relatório de Acompanhamento Fiscal.
O documento concluiu que a insistência do governo federal em retirar despesas
do limite fiscal, associada ao uso de compensações e créditos tributários para
mascarar o desequilíbrio orçamentário, leva o Brasil ao esgotamento da política
fiscal à beira da crise.
Conforme o relatório, essa prática compromete a
capacidade da gestão de absorver despesas não programadas e fragiliza a credibilidade
do arcabouço fiscal. Para a professora de economia do Insper Juliana Inhasz
Kessler “o país utiliza artifícios contábeis para conseguir ficar dentro das
metas que o próprio governo estabeleceu”.
“Mas isso escancara de forma muito nítida a fragilidade
do próprio Orçamento e da capacidade do governo de cumprir o que propõe”,
analisou.
O relatório projeta um déficit primário de R$ 83,1
bilhões em 2025, valor que ainda respeita a meta estipulada pelo novo arcabouço
fiscal, de até R$ 97 bilhões negativos. Porém, o estudo chama atenção para
quase R$ 55 bilhões em precatórios que ficaram fora das contas oficiais.
Segundo Juliana, ao excluir precatórios e utilizar a
margem da meta como referência, o governo cria uma “narrativa de que estamos
dentro do arcabouço, quando, na prática, estamos fora”. Ela alerta que essa
estratégia mascara a real situação fiscal e cria uma armadilha futura.
Já o economista-chefe da Austin Rating, Alex
Agostini, afirma que o cenário descrito pela IFI “não é novidade” e reflete um
problema fiscal crônico que se arrasta no Brasil há décadas, agravado nos
últimos anos independentemente do governo de plantão.
Estimativas para a dívida em relação ao
PIB
As projeções para a dívida pública também são motivo
de preocupação. O estudo estima que a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) deve
encerrar 2025 em 77,6% do PIB, ultrapassar 100% em 2030 e alcançar 124,9% em
2035 no cenário base.
Numa projeção pessimista, pode chegar a 170,3% do
PIB em 2035. Juliana destaca que o ritmo de crescimento é insustentável.
“Estamos falando de um salto de cerca de 30 pontos porcentuais em poucos anos,
o que é muita coisa para um país que quer crescer de forma sustentável”, disse.
Agostini complementa que o país caminha para esse
nível de endividamento e crise em ritmo acelerado e sem contrapartidas de
reformas ou cortes de despesas obrigatórias. “O governo tenta fechar as contas
sempre pelo lado da arrecadação e nunca pela redução do gasto”, afirmou o
economista.
Tentativas do governo para contornar
crise
Entre as tentativas de ajuste da crise, o governo
apostou no aumento do IOF, mas enfrentou resistência no Congresso e no mercado,
o que levou à revisão da medida e ao envio da MP 1.303/2025, que propõe maior
tributação sobre investimentos financeiros. Para Agostini, além da resistência
política, o governo agora entra em “área arenosa” ao judicializar o tema, o que
pode gerar efeitos colaterais indesejados em futuras negociações econômicas e
fiscais. “Estamos deteriorando ainda mais o ambiente político e institucional”,
alerta.
O relatório da IFI enfatiza que o espaço para
aumento da carga tributária está praticamente esgotado, já que o país alcançou
34,24% do PIB em impostos em 2024. A solução, segundo o órgão, passa por
reformas estruturais para conter a dívida e recuperar a capacidade de
investimento público. Para Juliana, isso exige mais que “receitas picadinhas
que não garantem continuidade”. Ela defende uma agenda que envolva
“flexibilização do orçamento, aumento sustentável de receita e, principalmente,
redução de despesas obrigatórias”.
No curto prazo, a meta fiscal de 2025 poderá ser
formalmente cumprida, mas apenas no limite da margem de tolerância prevista no
arcabouço, diz o relatório. Juliana alerta que, para cumprir as metas no
futuro, o governo pode ser forçado a interromper serviços e cortar gastos
discricionários, com impacto direto na qualidade dos serviços prestados à
população. “Isso é um problema sério, porque compromete o funcionamento da
máquina pública”, afirma.
Agostini reforça que o cenário desenhado pela IFI
eleva o risco percebido pelo mercado, o que se traduz em maiores prêmios
exigidos nos títulos públicos e juros mais altos. “O mercado cobra o preço:
menos investimentos produtivos, mais recursos alocados no curto prazo e um
câmbio e juros em patamares piores do que poderiam estar”, explica.
O relatório da IFI conclui que os gargalos são
econômicos, mas as soluções dependem da política. Juliana e Agostini concordam
que sem reformas estruturais, o Brasil continuará preso em um ciclo de déficits
crescentes e dívida insustentável. “Sem aumento de receita com contrapartida ou
revisão das despesas, essa política fiscal expansionista atual só agrava o
quadro”, resume Agostini.
Revista Oeste
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