Tádzio França
Repórer
A gota, ou artrite gotosa, é uma doença inflamatória
crônica e progressiva que afeta as articulações. Ela é causada pelo aumento dos
níveis de ácido úrico no sangue, que pode ocorrer devido ao aumento na produção
dessa substância ou à sua eliminação inadequada. Atualmente, ela afeta de 1 a 5
% da população em geral, com grande predominância no sexo masculino. Apesar de
não ter cura, é uma doença que pode ser controlada com a medicação adequada e
mudanças de hábitos – principalmente, ligados à alimentação.
Para desenvolver a artrite gotosa, a pessoa deve ter
um perfil genético onde há a redução da eliminação dos chamados ‘cristais de
urato’ pela urina, associado com uma dieta rica em proteínas, purinas, bebidas
alcoólicas, etc., que vai causar a elevação do ácido úrico no sangue. “A
elevação do ácido úrico acontece ou pela produção excessiva da substância pelo
organismo ou pela redução da excreção/eliminação dessa substância pelos rins”,
diz a reumatologista Beatriz Oliveira.
O pensamento de que a gota seria uma doença causada
apenas por “excessos alimentares” é incorreto, ressalta a médica. “Antigamente,
como só as pessoas mais ricas tinham acesso a uma dieta mais rica em carnes e
bebidas, criou-se esse estigma. Há também o fato de que a obesidade costuma
estar associada com quadros mais graves de gota, o que leva a fortalecer essa
associação com os excessos alimentares”, explica.
Sintomas da “gota serena”
A gota causa inflamação, dor e inchaço no dedão do
pé, joelho e tornozelos. A inflamação das articulações afetadas provoca grande
hipersensibilidade ao toque, sendo o sintoma que mais caracteriza a doença.
Beatriz explica que a origem do ditado popular “dor da gota serena” está
relacionada aos quadros onde o paciente afirma sentir como se estivesse
pingando um líquido fervente na articulação afetada, causando uma dor tão
intensa que até o peso dos lençóis causa piora na sensação local.
As crises de gota costumam afetar principalmente as
extremidades e, de forma quase diagnóstica, o primeiro dedo dos pés (hálux),
onde ganha o nome de “podagra”. Costuma afetar também de forma mais frequente
joelhos, tornozelos, pés de forma geral, cotovelos, punhos e mãos. Raramente
afetam quadris, ombros e coluna vertebral. “A repetição das crises leva a
sequelas articulares que podem evoluir para deformidades”, alerta a
reumatologista.
Os acúmulos de uratro também são típicos dos quadros
de gota que têm longa duração e/ou tratamento inadequado. O chamado “tofo
gotoso” se caracteriza por uma formação tipo cisto com um conteúdo semelhante a
pasta de dente (pastosa, granulosa, esbranquiçada) que pode ocorrer em qualquer
local do corpo, mas de forma mais característica ao redor das articulações.
“Outra manifestação que pode sugerir gota são os cálculos renais ou litíase
renal por urato”, complementa.
O diagnóstico da gota, como na maioria das doenças,
explica Beatriz, acontece pela avaliação da história do paciente – crises de
dor aguda afetando pés, tornozelos, joelhos, cotovelos, mãos, punhos -,
associado com um exame físico detalhado (pesquisa de artrite, presença de
tofos, etc.). Há também exames laboratoriais (dosagem dos níveis de ácido úrico
no sangue) e de imagem (radiografias das articulações).
A gota é uma doença que não deve ser negligenciada
ou cuidada apenas durante crises, enfatiza a reumatologista. “As complicações
acontecem principalmente pelo efeito erosivo e destrutivo que o urato causa na
articulação. Essa inflamação a longo prazo pode levar a limitações na
deambulação (quando afeta pés e joelhos), perda da função de mãos e cotovelos,
e até deformidades definitivas quando associadas com tofos mais exuberantes”,
explica. A gota também costuma estar associada a quadros de diabetes e
hipertensão arterial.
Tratamento
Quando se fala em gota, a “cura” tem a ver com
restabelecimento da saúde. “Na fase aguda, o objetivo é o rápido controle da
dor e da inflamação, com retorno da função articular com o mínimo de sequelas.
Nessa fase, o uso de anti-inflamatórios, corticóides e colchicina, além de
analgésicos, são a base terapêutica”, explica.
Após a fase aguda, segundo a médica, o objetivo
principal será manter o ácido úrico em níveis normais – evitar a hiperuricemia
ou níveis de ácido úrico acima do normal para prevenir novas crises. “As
medidas dietéticas são da maior importância, e uma equipe com nutricionista
será de muita ajuda. O paciente deve manter um peso adequado, evitar excesso de
proteínas animais, evitar o uso de bebidas alcoólicas e de alimentos ricos em
açúcar”, alerta.
“Na gota há várias medicações que ajudam tanto na
fase aguda como na fase crônica, mas o sucesso do tratamento depende muito da
adesão do paciente às modificações na dieta e estilo de vida”, ressalta a
reumatologista. As mudanças de estilo de vida – alimentação, hidratação,
atividade física, controle do peso -, associadas com o uso regular das
medicações e um acompanhamento médico regular, são a base para uma boa evolução
dos quadros de gota.
Sem crises
O cineasta Paulo Dumaresq foi surpreendido, há 10
anos, por uma repentina dor no pé direito. O dedo começou a inchar, e não havia
um “trauma” que justificasse aquele sintoma. Ele mal conseguia pisar no chão.
Paulo foi rapidamente ao médico, e o diagnóstico veio sem muito mistério: era
uma crise de gota. Desde então ele precisou aprender a conviver com a doença da
melhor forma.
“Já passei por vários médicos e fui aprendendo a
lidar com minhas crises nesse processo. Nas crises mais intensas, as dores são
muito fortes, a ponto de eu precisar segurar nos móveis para andar dentro de
casa”, diz. Atualmente, ele está bem adaptado ao medicamento que baixa o ácido
úrico no organismo.
A doença levou o cineasta a se cuidar mais. Ele faz
exames de sangue regularmente para verificar e controlar a presença de ácido
úrico – se estiver alto, é sinal de alerta. E também seguiu as mudanças na
alimentação, de forma equilibrada. “Diminuí, mas não cortei totalmente o consumo
de carne vermelha e bebidas alcoólicas, por exemplo. Como mais vegetais, bebo
menos, mas não abri mão. Agora eu procuro um equilíbrio que me resguarde das
crises, e tenho conseguido”, conclui.
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