Por “conveniência ao serviço público”, universidades
e institutos federais de ensino (IFs) deixaram de afastar, mesmo que
temporariamente, professores e servidores punidos por condutas de conotação
sexual.
Levantamento feito pela coluna do jornalista Tácio
Lorran, do Metrópoles, identificou nove casos, nos últimos 10 anos, em que
servidores públicos dessas instituições de ensino, acusados de assédio sexual,
foram penalizados inicialmente com uma suspensão, mas tiveram a punição
convertida em multa em razão da falta de pessoal no quadro de funcionários das
universidades e IFs.
O cenário evidencia a dificuldade das instituições
de ensino em punir funcionários públicos acusados de assédio sexual. Nesses
casos, os docentes e servidores pagam uma multa, de acordo com o salário que
ganham, e continuam frequentando o ambiente acadêmico – em muitas situações,
convivendo nos mesmos espaços que suas vítimas.
Foram analisados dezenas de Processos
Administrativos Disciplinares (PADs) em universidades e IFs obtidos por meio da
Lei de Acesso à Informação (LAI) junto às instituições de ensino. Os documentos
revelam que estudantes, professoras e funcionárias têm sido vítimas de
constrangimentos, agressões e até estupros em câmpus de todo o Brasil.
Suspender ou aplicar uma punição com
impacto direto no bolso
As punições decorrentes dos PADs variam entre
advertência, suspensão de até 90 dias (que pode ser convertida em multa),
demissão e cassação da aposentadoria. De acordo com a Lei do Servidor (Lei
8.112/1990), a suspensão pode ser convertida em multa, total ou parcialmente,
“quando houver conveniência para o serviço”. A multa decorre do desconto de 50%
do salário da pessoa. O débito incide conforme o total de dias de punição.
Isso aconteceu, por exemplo, com o professor Luciano
José Gonçalves Moreira, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
de Minas Gerais (IFMG), do campus Ouro Preto. Ele foi punido após ser
acusado de assédio sexual por nove estudantes.
Em um dos casos denunciados, Luciano Moreira ficou
atrás da jovem e perguntou se ela sabia guardar segredo, pois havia sonhado com
a garota e temia que ela não entendesse o conteúdo do sonho. A outra aluna ele
disse: “Queria você na minha estante” e “Queria que minha mulher tivesse o seu
cabelo”.
A instituição, amparada pela Advocacia-Geral da União
(AGU), poupou o docente de uma demissão, por entender que a punição soaria
“severa demais”, e decidiu aplicar-lhe uma suspensão de 90 dias, que foi
convertida em multa. A punição de Luciano Moreira, publicada em novembro de
2021, ficou assim: 45 dias de suspensão e os outros 45 dias foram convertidos
em multa.
Em abril daquele mesmo ano, o Instituto Federal de
Educação do Rio de Janeiro (IFRJ) suspendeu por 11 dias o professor de física
Marco André de Almeida Pacheco, após suposto assédio contra uma adolescente de
14 anos. O caso aconteceu em 2019, no campus Volta Redonda
Segundo a adolescente, Marco Pacheco teria passado
por ela no hall da instituição de ensino, quando ela estava sozinha, e feito a
seguinte abordagem: “Oi, gata. Quando vou pegar você?”. Em seguida, o docente a
teria abraçado por trás e tocado na cintura dela. A garota foi encorajada por
outras alunas a denunciá-lo.
A defesa de Marco André sustentou que a acusação foi
baseada em um mal-entendido superdimensionado. Para a comissão que avaliou o
caso, o professor usou um termo com “ambiguidade semântica”, além de ter
mantido contato físico com a adolescente. O comportamento dele, de acordo com
colegiado, mereceu uma suspensão. A punição, no entanto, foi convertida em
multa em publicação de ato da Reitoria.
Como são calculados os dias de suspensão
de um professor ou servidor punido em um PAD
Os dias de afastamentos são computados conforme a
calculadora de correição da Controladoria-Geral da União (CGU). Noventa dias é
o máximo que um servidor pode receber no quesito suspensão.
Acessível ao público, a ferramenta recebe o nome de
“Calculadora de Penalidade Administrativa e Viabilidade de
TAC”.
A plataforma reproduz uma tabela com uma lista de
infrações e deveres presentes no Estatuto do Servidor Público (Lei 8.112).
Entre os casos mais comuns para enquadrar as condutas de conotação sexual
estão:
- Valer-se
do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da
dignidade da função pública (Art. 117, IX);
- Manter
conduta compatível com a moralidade administrativa (116, IX);
- Tratar
com urbanidade as pessoas (Art. 116, XI);
- Incontinência
pública e conduta escandalosa, na repartição (Art. 132, V)
A partir das infrações, existe uma régua com o
parâmetro da dosimetria que aumenta o grau da infração, a partir de uma análise
subjetiva de critérios que avaliam a gravidade, danos, agravantes e maus
antecedentes.
A palavra final para aplicação desse tipo de punição
é da reitoria da instituição de ensino. Como última instância, o reitor tem em
mãos dois pareceres que orientam sua decisão. O primeiro é o relatório final da
comissão processante, formada por três servidores, que sugere a aplicação da
pena. O outro, é o parecer da Procuradoria-Geral Federal, órgão, vinculado à
Advocacia-Geral da União (AGU) que, presta consultoria e assessoramento
jurídicos.
Casos em que as suspensões foram
convertidas em multa
- Servidor suspenso por “atos libidinosos” na
universidade (Universidade Federal de Rondônia)
- Professor oferecia beijos em troca de dicas para provas (Universidade
Federal de Sergipe)
- Professor é suspenso após convidar aluna para tomar
cerveja (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia)
- Professor para aluna: “Imagino tudo o que você faz com
a letra F” (Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de Minas Gerais)
- A punição “severa demais” a professor acusado de
assédio sexual por 9 alunas (Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Minas Gerais)
- Professor para adolescente: “Oi, gata. Quando vou pegar
você?” (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Rio de Janeiro)
- “Pau do Stefanelli”: professor fazia “brincadeiras”
constrangedoras com estudantes (Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo)
- Servidor rouba dados de estudante e faz abordagem
agressiva (Universidade Federal de Santa Catarina)
- Aluna abandona mestrado após investida do orientador (Universidade
Federal de Santa Catarina)
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