Responsáveis por fiscalizar o uso do dinheiro público,
os tribunais de Contas estaduais têm registrado remunerações mensais acima do
teto constitucional para seus conselheiros em ao menos 22 unidades da
federação, como aponta levantamento do GLOBO com base nos contracheques
disponibilizados nos portais de transparência entre janeiro e março de 2025. Os
dados mostram que, embora o limite para vencimento bruto do funcionalismo
público esteja fixado em R$ 46.366,37 — equivalente ao salário de um ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF) —, os valores pagos mensalmente a integrantes
dessas cortes ultrapassam com frequência esse patamar.
Segundo os contracheques analisados, a remuneração
média bruta mensal dos conselheiros nos estados foi de R$ 69,7 mil no primeiro
trimestre do ano. Em alguns casos, o valor médio supera os R$ 100 mil, como nos
tribunais de Contas de Alagoas, Roraima e Pernambuco. Em Alagoas, por exemplo,
um conselheiro recebeu R$ 180 mil em um único mês, somando vencimentos básicos,
gratificações por função e auxílio-saúde.
Esses montantes são compostos por uma parte fixa — o
salário-base, que varia de acordo com o estado, entre R$ 37 mil e R$ 41 mil — e
uma série de adicionais classificados como verbas indenizatórias. Entre os mais
recorrentes estão auxílio-saúde, gratificações por acúmulo de função,
licença-prêmio, indenizações retroativas e outros penduricalhos.
O pagamento dessas verbas encontra respaldo em
decisões do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que entendem que o
teto constitucional se aplica apenas aos subsídios e vencimentos de caráter
remuneratório, sem considerar cifras de natureza indenizatória. Além disso, por
não serem considerados salários, os valores indenizatórios não estão sujeitos à
incidência de Imposto de Renda nem de contribuição previdenciária.
Verbas contestadas
Apesar disso, o STF já se posicionou contra a
inclusão de alguns desses auxílios como verbas indenizatórias. Em 2023, o
plenário da Corte considerou inconstitucional o auxílio-aperfeiçoamento
profissional concedido em Minas Gerais a juízes estaduais para a aquisição de
livros jurídicos, digitais e material de informática.
No Congresso, diferentes projetos já foram
apresentados para rever essas normas, mas sem sucesso. Em 2016, o então senador
José Aníbal (PSDB-SP) protocolou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
para que todos os valores pagos aos servidores, independentemente de serem
remuneratórios ou indenizatórios, ficassem abaixo do teto constitucional. O
texto foi arquivado em 2022.
Entre especialistas em Direito Público e
Administração Pública, o tema também suscita controvérsias. Para alguns
juristas, a interpretação adotada pelo STF e pelo CNJ — ao permitir que verbas
indenizatórias fiquem fora do limite constitucional — cria brechas que
enfraquecem os mecanismos de controle da remuneração no serviço público.
Ao dizer que são indenizações, vira um artifício
para pagar remunerações acima do teto. Essa lógica foi levada às últimas
consequências e passou a ser uma fraude chancelada pelo STF. Hoje, servidores
dobram, triplicam suas rendas com esses benefícios”, afirma Conrado Hübner
Mendes, professor de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP).
Procurados, diversos tribunais afirmaram que os
pagamentos observados estão em conformidade com as leis vigentes e decisões dos
órgãos superiores. Em nota, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo
(TCE-SP), por exemplo, informou que “os demais valores, que eventualmente
excedam esse limite, decorrem do pagamento de verbas de natureza indenizatória,
baseadas em lei”. Posicionamentos semelhantes foram adotados por outras cortes,
como as do Paraná, Acre e Paraíba. Estados como Ceará e Mato Grosso frisaram
ainda que seguem a transparência pública por disponibilizarem os contracheques.
Em resposta, o TCE-RN disse o seguinte:
O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande
do Norte (TCE-RN) esclarece que todos os pagamentos efetuados aos membros,
procuradores e servidores são realizados em estrita conformidade com a
legislação vigente e fundamentados em posições consolidadas pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional
do Ministério Público (CNMP), sempre respeitando a disponibilidade orçamentária
e os limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Registre-se que os membros dos Tribunais
de Contas possuem direitos e prerrogativas equivalentes aos da Magistratura,
conforme os artigos 73 e 75 da Constituição Federal. A simetria remuneratória é
prevista constitucionalmente e respaldada por jurisprudência pacífica do STF e
do CNJ.
O Globo


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