Prestes a iniciar um segundo mandato à frente do
Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o banco do Brics, a ex-presidente Dilma
Rousseff deixou um rastro de metas atrasadas, relatos de assédio moral,
demissões e críticas por má gestão na instituição desde que assumiu, em abril
de 2023.
Documentos obtidos pela Folha mostram que o NDB está
atrasado no cumprimento da grande maioria de suas metas e tem rotatividade de
funcionários (15,5%) três vezes maior do que a média em bancos multilaterais de
desenvolvimento (5%), segundo relatório de avaliação independente do banco.
Desde que Dilma assumiu, ao menos 46% dos funcionários brasileiros (14)
deixaram o banco. Avaliações internas apontam que “limitações em delegar
autoridade” contribuem para “atrasos na tomada de decisões e baixa eficiência
na implementação”. As informações são da Folha de São Paulo.
A situação no banco foi descrita como disfuncional e
de paralisia por funcionários ouvidos pela Folha.
As críticas foram corroboradas no voto de Prasanna
Salian, diretor da Índia, em reunião do conselho de diretores sobre a Revisão
de Médio Prazo da estratégia geral do banco no ano passado. “O banco está
atrasado no cumprimento da maioria de suas metas estratégicas para o período de
cinco anos (2022-2026)”, diz Salian, diretor do departamento de assuntos
econômicos do Ministério das Finanças da Índia, no documento obtido pela Folha.
Segundo Salian, apenas 20% da meta de concessão de
crédito do banco foi atingida, e o NDB está muito aquém dos objetivos de
operações não soberanas (10,7%, diante da meta de 30%). Apenas um projeto (4%)
foi cofinanciado (meta era 20%).
“A administração deve fazer esforços imediatos para
melhorar a execução do banco e reduzir o atraso [no cumprimento das metas] nos
próximos anos”, disse Salian em voto escrito. “De forma geral, há uma
necessidade urgente de priorizar atividades, usar recursos limitados de forma
criteriosa, ter planejamento efetivo esforços rigorosos para execução e
coordenação eficiente.”
Procurada, a assessoria do NDB disse que não
comentaria sobre o voto. “Os votos dos membros do NDB não são informação
pública e não devem ser divulgados”, disse a assessoria.
A Folha conversou com seis funcionários e
ex-funcionários do banco e do governo brasileiro que trabalham diretamente com
Dilma. Por medo de represálias, eles pediram para não ser identificados. Todos
afirmaram que o banco está paralisado e que o nível de assédio moral é muito
alto.
Segundo vários relatos, Dilma frequentemente grita
com os funcionários, em broncas que podem ser ouvidas em outros andares da
instituição. Ela chamaria os funcionários de “burro” e “burra”, “ignorante”,
além de dizer diz “você não presta para nada”, “você não serve para porra
nenhuma” e “você nunca mais vai arrumar outro emprego”, “você escreve com os
pés”.
Ela teria dito a um funcionário chinês que ele
precisava “lavar atrás das orelhas”.
Outro relato frequente é que ela se nega a dar
folgas, principalmente aos funcionários que trabalham diretamente com a
presidente, e que os trabalhadores são forçados a jornadas que vão das 6h às
21h todos os dias da semana. Dois funcionários relataram ter procurado
assistência psicológica.
O relatório anual do banco de 2023 não foi publicado
até hoje, nem o de 2024. Os outros relatórios, relativos a 2017, 2018, 2019,
2020, 2021 e 2022 estão disponíveis no site do banco.
Já o relatório do Escritório de Avaliação
Independente do NDB, assinado pelo diretor-geral Ashwani K. Muthoo, em 20 de
maio de 2024, apresenta um retrato sombrio.
“O volume de empréstimos do banco ficou aquém do que
foi previsto na estratégia geral para 2017-2021 e desacelerou ainda mais em
2022 e 2023”, diz o documento. “Há espaço para melhorar a cultura
organizacional, os processos de gestão e de pessoas para aumentar a eficiência
do banco para poder cumprir seu mandato.”
Além dos problemas de gestão, os relatórios internos
apontam que a situação política, com a presença da Rússia no banco, aumentou o
custo de captação e reduziu a competitividade.
Diz também que a “alta rotatividade” afeta a
capacidade de o banco de funcionar.
Os relatórios também apontam paralisia na expansão
do banco. Sob Marcos Troyjo, juntaram-se à instituição Egito, Emirados Árabes
Unidos e Bangladesh. Na gestão Dilma, nenhum novo membro.
“Em suma, o NDB ainda não conseguiu se estabelecer
completamente como um banco de desenvolvimento com foco em impacto como
determinado em sua carta de fundação”.
Outro relatório do escritório independente, também
obtido pela Folha, afirma que “a ausência de um processo de tomada de decisão
ágil e consistente também compromete a capacidade de resposta e a eficiência
geral do banco. Sem mudanças substanciais em seus processos e procedimentos, o
banco continuará enfrentando sérios obstáculos para cumprir seu mandato”.
Procurado, o chefe de gabinete de Dilma, Marco Túlio
Mendonça, que é assessor direto da presidente, não respondeu a mensagem de
WhatsApp com perguntas e não atendeu a uma ligação.
Procurada, a assessoria de imprensa do NDB afirmou
que as metas são para cinco anos, não para um ano. “Não é apropriado concluir
que o NDB não atingiu as metas, pois o ciclo estratégico ainda está em
andamento”, disse a assessoria. Os relatórios do escritório de avaliação
independente do banco e o voto de diretor do conselho apontam que o cumprimento
das metas está muito atrasado.
A assessoria afirma também que a primeira metade do
ciclo estratégico de 2022-2026, de 1º de janeiro de 2022 a 30 de junho de 2024,
foi dividida igualmente entre a administração de Troyjo e Dilma. “Quando a
presidente Dilma chegou, em março de 2023, o banco enfrentava uma grave crise
de liquidez. Ele havia passado 15 meses sem realizar uma emissão em dólares.”
O banco informou que, quando Dilma assumiu, os
desembolsos de financiamentos foram “temporariamente suspensos por causa de
preocupações com liquidez”. Mas afirma que, na gestão da brasileira, o banco
como um todo teve “crescimento significativo” e que o balanço no final de 2024
mostra “forte recuperação e expansão”.
A assessoria afirmou que o único ano em que a
rotatividade foi alta, de 15%, foi 2023. Segundo o banco, em 2024, essa
porcentagem se normalizou em 5%. Como os relatórios anuais do banco dos anos
2023 e 2024 não foram publicados, não é possível checar. A reportagem da Folha
pediu documentos oficiais com números de saídas de funcionários, mas não
recebeu.
No caso dos funcionários brasileiros, a assessoria
afirmou que, em 2022/2023, a taxa de rotatividade foi de 43%. Mas, segundo o
banco, em 2024, esse número caiu para 16%.
“O NDB não viu qualquer queda na produtividade ou
eficiência em relação às taxas de rotatividade.”
Em relação aos relatos de assédio moral, a
assessoria do banco respondeu: “O NDB não vai comentar as alegações em relação
a assédio moral, pois não há casos de assédio moral no departamento de
conformidade e investigações do banco relacionados à presidente”.
A assessoria afirmou também que o horário de
funcionamento do banco é das 9h às 17h15, nenhum funcionário do banco é
obrigado a começar a trabalhar às 6h e todos os funcionários do banco têm
folgas normais e regulamentadas. A reportagem mantém que funcionários do banco
e do governo brasileiro que trabalhavam diretamente com a presidente relataram
a carga horária excessiva e falta de folgas, e muitos pediram demissão.
Em relação ao fato de nenhum país ter entrado como
novo membro no banco durante a gestão Dilma, a assessoria disse que “o NDB
amplia sua adesão sob a aprovação de seu Conselho de Governadores e Conselho de
Diretores”.
Folha de S.Paulo
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