Tádzio França
Repórter
A epilepsia é uma doença neurológica crônica que
acomete 2% da população no Brasil e afeta cerca de 50 milhões de pessoas em
todo o mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Por ser uma
condição ainda cercada de mitos e preconceitos, foram criadas iniciativas para
informar melhor a população sobre o assunto, caso da campanha Março Roxo, no
Brasil, e o Dia Internacional de Conscientização sobre a Epilepsia (o “Purple
Day”), no dia 26 de março. As pessoas com epilepsia podem ter uma vida normal
se seguirem o tratamento adequado com medicação de uso contínuo.
A epilepsia é caracterizada por descargas neuronais
anormais e excessivas que levam à crise epiléptica. Segundo o neurocirurgião
Thiago Rocha, 70% dos pacientes que possuem controle com tratamento
medicamentoso podem ter uma vida normal. “Já para os outros 30% dos pacientes
que possuem a epilepsia refratária, ou seja, que fazem uso de dois ou mais
medicamentos e não conseguem controlar suas crises de maneira adequada, a
cirurgia pode ser uma boa opção”, afirma.
O diagnóstico da epilepsia é baseado na história
clínica do paciente e seus achados neurológicos. Thiago explica que vários
fatores são avaliados, como o início da epilepsia, o tipo de crise, a história
familiar, o impacto da epilepsia na vida do paciente, a quantidade de
medicamentos, e a frequência de crises. “Normalmente, pedimos uma ressonância
magnética de encéfalo com protocolos específicos para epilepsia e um
eletroencefalograma”, completa.
Segundo o médico, a população pode identificar alguns
sinais de alerta como a refratariedade, ou seja, a dificuldade de controlar
suas crises, definida pelo uso de dois ou mais medicamentos. Nestes casos, o
paciente deverá ser encaminhado para avaliação de uma equipe multidisciplinar
para avaliar outras opções terapêuticas, como a cirurgia.
O neurocirurgião considera que a epilepsia
refratária, ou de difícil controle, é a que causa maior impacto na qualidade de
vida do paciente. “É o tipo que afeta em torno de um milhão de pessoas no
Brasil. Estes pacientes precisam ser encaminhados o mais rápido possível para
avaliar a cirurgia de epilepsia. Muitos pacientes refratários podem ter atraso
no desenvolvimento neuropsicomotor, como nas crianças, traumatismos frequentes,
perda das capacidades laborativas, impacto nas relações sociais, e até morte
súbita”, diz.
A seleção adequada de um paciente para a cirurgia de
epilepsia inclui preceitos básicos que são a determinação da refratariedade
clínica aos medicamentos antiepilépticos, a provável localização do foco epiléptico
(que é a região cerebral onde ocorre a geração das crises epilépticas), o
impacto da epilepsia na vida do paciente, e a motivação do paciente para ser
operado.
Thiago Rocha explica que objetivo da cirurgia não é
a retirada dos medicamentos antiepilépticos, porém isso pode ocorrer, de
maneira cautelosa, após dois anos do pós-operatório se o paciente, durante esse
período, não apresentar novas crises e os eletroencefalogramas durante o
acompanhamento apresentarem resultados normais.
Durante uma crise convulsiva, o paciente pode se
debater, morder a língua, se urinar e até mesmo cair e se machucar, pois perde
o tônus muscular. Nessas ocasiões, o médico explica que a pessoa deve ser
lateralizada (deitada de lado), protegida a cabeça e o corpo de traumatismos,
afastar objetos perfurantes, manter a calma e esperar a crise epiléptica passar
– em média dura cinco minutos. Após isso, chamar o serviço de urgência para
avaliação hospitalar.
Há também o que não se deve fazer: colocar o dedo ou
qualquer objeto na boca do indivíduo para evitar que ambos se machuquem; nunca
segurar a pessoa, apenas ampará-la; nunca jogar nada no rosto, como água ou
álcool, o que não irá ajudá-la a voltar à consciência. “Importante dizer que a
epilepsia não é uma doença contagiosa, não se deve ter medo da saliva da
pessoa”, ressalta.
O tratamento da epilepsia é medicamentoso para 70%
dos pacientes. Em torno de 50% dos pacientes com epilepsia melhoram com um
medicamento, 11% melhora com a associação do segundo medicamento, 4% melhoram
suas crises com o terceiro medicamento, e apenas 0,8% com a adição do quarto
medicamento. “Por isso, a ILAE (Liga Internacional Contra a Epilepsia) definiu
o conceito de refratariedade para os pacientes que tomavam dois medicamentos e
mesmo assim não controlavam suas crises”, enfatiza.
Sem crises
O estudante Marcelo Pinotti, 26, teve sua primeira
crise epiléptica em 2014. Estava jogando futebol numa aula de educação física e
“apagou” de repente. Sua epilepsia do tipo refratária o fazia desmaiar e
acordar com dor de cabeça e sono. “Era como dormir em pé. Chegava a ter quatro
a cinco crises por semana”, conta. O resultado foi uma insegurança inevitável.
“Eu tinha medo até de atravessar a rua. Não podia ir a festas, faltei muitas
aulas, tinha medo de ir a qualquer lugar e fazer qualquer coisa. Cheguei a ter
depressão”, diz.
Foram anos de tratamentos sem uma solução. Até que
em 2022 a família de Marcelo mudou de São Paulo para Natal. Um novo tratamento
foi iniciado com um neurocirurgião local, que investigou o caso dele durante um
ano. Em 2024, Marcelo fez duas cirurgias difíceis, mas que surtiram o efeito
desejado. Faz cinco meses que ele não tem crise. “Estou vendo minha vida voltar
ao normal. Quero dirigir um carro, nadar, fazer surf”, diz ele, que ainda
tomará medicamentos durante um ano.
Viggo Siqueira, 18 anos, teve a primeira convulsão
epiléptica em 2021. “Foi muito difícil aceitar no começo, porque até então eu
tinha uma vida super normal, estava no começo da adolescência, e foi um baque
daqueles”, conta. Segundo ele, sua epilepsia é do tipo parcial, que só ocorre
em uma parte do cérebro. “Fiz uma ressonância magnética que não detectou nenhum
problema”, diz.
Hoje em dia, o estudante de gestão hospitalar está
no rol das pessoas que lidam bem com a doença através dos medicamentos
adequados. “Tenho uma vida praticamente normal. Continuo jogando vôlei, faço
caminhadas e exercícios físicos. E tenho a ajuda e compreensão dos amigos, que
são uns anjos pra mim”, conclui.

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