domingo, 16 de março de 2025

TANGARAENSE - Epilepsia: medicamento ou cirurgia?



Tádzio França
Repórter

A epilepsia é uma doença neurológica crônica que acomete 2% da população no Brasil e afeta cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Por ser uma condição ainda cercada de mitos e preconceitos, foram criadas iniciativas para informar melhor a população sobre o assunto, caso da campanha Março Roxo, no Brasil, e o Dia Internacional de Conscientização sobre a Epilepsia (o “Purple Day”), no dia 26 de março. As pessoas com epilepsia podem ter uma vida normal se seguirem o tratamento adequado com medicação de uso contínuo.

A epilepsia é caracterizada por descargas neuronais anormais e excessivas que levam à crise epiléptica. Segundo o neurocirurgião Thiago Rocha, 70% dos pacientes que possuem controle com tratamento medicamentoso podem ter uma vida normal. “Já para os outros 30% dos pacientes que possuem a epilepsia refratária, ou seja, que fazem uso de dois ou mais medicamentos e não conseguem controlar suas crises de maneira adequada, a cirurgia pode ser uma boa opção”, afirma.

O diagnóstico da epilepsia é baseado na história clínica do paciente e seus achados neurológicos. Thiago explica que vários fatores são avaliados, como o início da epilepsia, o tipo de crise, a história familiar, o impacto da epilepsia na vida do paciente, a quantidade de medicamentos, e a frequência de crises. “Normalmente, pedimos uma ressonância magnética de encéfalo com protocolos específicos para epilepsia e um eletroencefalograma”, completa.

Segundo o médico, a população pode identificar alguns sinais de alerta como a refratariedade, ou seja, a dificuldade de controlar suas crises, definida pelo uso de dois ou mais medicamentos. Nestes casos, o paciente deverá ser encaminhado para avaliação de uma equipe multidisciplinar para avaliar outras opções terapêuticas, como a cirurgia.

O neurocirurgião considera que a epilepsia refratária, ou de difícil controle, é a que causa maior impacto na qualidade de vida do paciente. “É o tipo que afeta em torno de um milhão de pessoas no Brasil. Estes pacientes precisam ser encaminhados o mais rápido possível para avaliar a cirurgia de epilepsia. Muitos pacientes refratários podem ter atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, como nas crianças, traumatismos frequentes, perda das capacidades laborativas, impacto nas relações sociais, e até morte súbita”, diz.

A seleção adequada de um paciente para a cirurgia de epilepsia inclui preceitos básicos que são a determinação da refratariedade clínica aos medicamentos antiepilépticos, a provável localização do foco epiléptico (que é a região cerebral onde ocorre a geração das crises epilépticas), o impacto da epilepsia na vida do paciente, e a motivação do paciente para ser operado.

Thiago Rocha explica que objetivo da cirurgia não é a retirada dos medicamentos antiepilépticos, porém isso pode ocorrer, de maneira cautelosa, após dois anos do pós-operatório se o paciente, durante esse período, não apresentar novas crises e os eletroencefalogramas durante o acompanhamento apresentarem resultados normais.

Durante uma crise convulsiva, o paciente pode se debater, morder a língua, se urinar e até mesmo cair e se machucar, pois perde o tônus muscular. Nessas ocasiões, o médico explica que a pessoa deve ser lateralizada (deitada de lado), protegida a cabeça e o corpo de traumatismos, afastar objetos perfurantes, manter a calma e esperar a crise epiléptica passar – em média dura cinco minutos. Após isso, chamar o serviço de urgência para avaliação hospitalar.

Há também o que não se deve fazer: colocar o dedo ou qualquer objeto na boca do indivíduo para evitar que ambos se machuquem; nunca segurar a pessoa, apenas ampará-la; nunca jogar nada no rosto, como água ou álcool, o que não irá ajudá-la a voltar à consciência. “Importante dizer que a epilepsia não é uma doença contagiosa, não se deve ter medo da saliva da pessoa”, ressalta.

O tratamento da epilepsia é medicamentoso para 70% dos pacientes. Em torno de 50% dos pacientes com epilepsia melhoram com um medicamento, 11% melhora com a associação do segundo medicamento, 4% melhoram suas crises com o terceiro medicamento, e apenas 0,8% com a adição do quarto medicamento. “Por isso, a ILAE (Liga Internacional Contra a Epilepsia) definiu o conceito de refratariedade para os pacientes que tomavam dois medicamentos e mesmo assim não controlavam suas crises”, enfatiza.

Sem crises

O estudante Marcelo Pinotti, 26, teve sua primeira crise epiléptica em 2014. Estava jogando futebol numa aula de educação física e “apagou” de repente. Sua epilepsia do tipo refratária o fazia desmaiar e acordar com dor de cabeça e sono. “Era como dormir em pé. Chegava a ter quatro a cinco crises por semana”, conta. O resultado foi uma insegurança inevitável. “Eu tinha medo até de atravessar a rua. Não podia ir a festas, faltei muitas aulas, tinha medo de ir a qualquer lugar e fazer qualquer coisa. Cheguei a ter depressão”, diz.

Foram anos de tratamentos sem uma solução. Até que em 2022 a família de Marcelo mudou de São Paulo para Natal. Um novo tratamento foi iniciado com um neurocirurgião local, que investigou o caso dele durante um ano. Em 2024, Marcelo fez duas cirurgias difíceis, mas que surtiram o efeito desejado. Faz cinco meses que ele não tem crise. “Estou vendo minha vida voltar ao normal. Quero dirigir um carro, nadar, fazer surf”, diz ele, que ainda tomará medicamentos durante um ano.

Viggo Siqueira, 18 anos, teve a primeira convulsão epiléptica em 2021. “Foi muito difícil aceitar no começo, porque até então eu tinha uma vida super normal, estava no começo da adolescência, e foi um baque daqueles”, conta. Segundo ele, sua epilepsia é do tipo parcial, que só ocorre em uma parte do cérebro. “Fiz uma ressonância magnética que não detectou nenhum problema”, diz.

Hoje em dia, o estudante de gestão hospitalar está no rol das pessoas que lidam bem com a doença através dos medicamentos adequados. “Tenho uma vida praticamente normal. Continuo jogando vôlei, faço caminhadas e exercícios físicos. E tenho a ajuda e compreensão dos amigos, que são uns anjos pra mim”, conclui.

 

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