O Governo do Rio Grande do Norte deixou de aplicar
R$ 480 milhões no sistema carcerário nos últimos seis anos. É o que mostra uma
ação civil pública protocolada na 3ª Vara da Fazenda Pública de Natal. Segundo
a ação, os recursos deveriam ter sido aplicados em ações de custeio e
investimentos pela Secretaria da Administração Penitenciária. O
contingenciamento de recursos, segundo a ação, ameaça a segurança dos presídios
do Estado e representa um risco para a sociedade. A Seap reconhece o
contingenciamento de recursos, mas considera que o sistema carcerário está
seguro.
A ação civil pública é da 70ª promotoria de Justiça
da comarca de Natal, do Ministério Público Estadual. Os R$ 480 milhões que
deixaram de ser aplicados no sistema deveriam ter sido aplicados entre 2019 e
2024, mas foram contingenciados, segundo a ação. A ação é assinada pelo
promotor Vitor Emanuel de Medeiros Azevedo e aponta que a não execução dos
recursos afetou as políticas públicas de manutenção e estruturantes no sistema
penal potiguar, como pagamento de dívidas e execução de contratos básicos, como
alimentação, tornozeleiras eletrônicas e kits de higiene para os presos, além
de abertura de vagas em prisões potiguares, que estão superlotadas.
Os contingenciamentos no custeio atingiram a ordem
de R$ 103,7 milhões. O promotor aponta que, por conta disso, a Seap acumula
dívidas de aproximadamente R$ 13,6 milhões em restos a pagar. Desse total, R$
6,1 milhões referem-se a três contratos de alimentação dos presos; R$ 2,6
milhões correspondem a contratos de kits de higiene; e R$ 2,8 milhões estão
ligados a contratos de tornozeleiras eletrônicas e monitoramento de presos do
semiaberto. Segundo o promotor, a falta de tornozeleiras levou a Seap a deixar
800 presos do semiaberto sem nenhum montioramento.
Nos últimos meses, a TRIBUNA DO NORTE noticiou a
falta de tornozeleiras e presos sem monitoramento, fato que se repetiu em
quatro situações nos últimos dois anos. Com a falta de tornozeleiras, a justiça
concede a progressão do regime do apenado, que fica sem o monitoramento pela
falta do dispositivo.
“A tornozeleira é necessária toda semana, porque há
sempre pessoas condenadas, como pessoas progredindo de regime. O RN optou pelo
semiaberto todo com tornozeleira, já que não temos presídios para semiaberto. É
o semiaberto harmonizado, como eles chamam. E se não paga a empresa, ela não
fornece. Hoje temos um déficit enorme de tornozeleiras que vai piorar nas
próximas semanas porque foi feito contrato emergencial com a segunda empresa e
esse contrato vai acabar agora em abril”, explica o juiz Henrique Baltazar
Vilar dos Santos, titular da Vara de Execuções Penais de Natal.
O secretário de Administração Penitenciária, Helton
Edi Xavier, disse que atualmente cerca de 500 presos estão sem tornozeleiras,
mas não por falta de pagamento. Ele diz ainda que a perspectiva é regularizar a
situação até o final de maio. Sobre o fim do contrato de uma das empresas,
outra prestadora de serviço conseguirá absorver a demanda.
“Uma das
empresas foi contratada emergencialmente exclusivamente para zerarmos esse
passivo, porque a outra empresa não conseguia enviar materiais em quantidade
suficiente. Desde então, essa empresa emergencial deveria fornecer até 6.500
equipamentos, mas até hoje só entregaram 490 kits. A questão toda de termos um
passivo não é falta de pagamento, mas é pela empresa não conseguir cumprir o
contrato”, disse. “Vamos migrar os equipamentos de uma empresa para outra, por
isso não estamos mais adiantados em relação a isso”, apontou.
Vagas
Já com relação à análise dos investimentos, os
contingenciamentos foram de 88,2% de todo o orçamento no período de 2019 a
2024. Ou seja, de cerca de R$ 428,2 milhões orçados, apenas R$ 50,6 foram
executados, uma diferença de R$ 377 milhões. Segundo a ação civil pública, a
falta de investimentos resultou em falta de criação de vagas para diminuição do
déficit nos estabelecimentos prisionais, que segundo o MP, atinge 2.679 vagas.
Neste período, a Seap abriu vagas no Complexo
Agrícola Mário Negócio (424 vagas) e dois pavilhões na Penitenciária Estadual
de Alcaçuz (416 vagas) e um pavilhão no Rogério Coutinho Madruga (315 vagas).
Em entrevista à TN, o promotor Vitor Emanuel Azevedo
explica que o contingenciamento dificulta as melhorias no sistema. “Na prática,
não são construídos novos estabelecimentos prisionais, as estruturas existentes
não são melhoradas, o fornecimento de alimentação, vestuário e produtos de
higiene aos presos sofrem eventuais decréscimos de qualidade e/ou quantidade, o
regime semiaberto, ao contrário do que manda a lei, continua sendo executado
apenas através de tornozeleiras”, explica.
Ainda segundo o promotor Vitor Emanuel Azevedo, a
superlotação é o principal problema enfrentado no RN “uma vez que ela
potencializa a necessidade dos serviços repressivos (segurança e disciplina
prisionais) e impede ou dificulta a observância dos direitos dos presos. Outro
grande problema é o desmantelamento do regime semiaberto. É premente a abertura
de novas vagas em ambos os sistemas”, cita. Apesar das críticas, o promotor
aponta que o Estado, desde o episódio conhecido como “Massacre de Alcaçuz”, em
2017, e a intervenção federal no sistema, que as prisões potiguares estão sob
controle.
“Ainda que sob severas críticas das organizações de
defesa dos direitos humanos, o certo é que, antes dos procedimentos, a média de
mortes de presos era superior a trinta por ano. As fugas eram frequentes. E,
desde então, esses números caíram drasticamente. Nisso, o engajamento dos
policiais penais e o aumento do efetivo foram fundamentais para a retomada do
controle dos estabelecimentos prisionais. Porém, tal como a célebre frase, o
preço do controle é a eterna vigilância”, finalizou.
Na ação civil pública, o MP pede a intimação do
Estado e uma tutela antecipada para liberação das verbas de custeio e
investimento. A ação pede ainda que o Estado pague “rigorosamente em dia” as
despesas decorrentes dos contratos de alimentação, kits de higiene e
tornozeleiras eletrônicas num prazo de até 90 dias.
Juiz critica falta de investimentos
Titular da vara de execuções penais de Natal, o juiz
Henrique Baltazar Vilar dos Santos explica que há uma falta de investimentos
“histórica” no sistema prisional do Rio Grande do Norte, que faz com que
gargalos antigos sejam difíceis de serem superados. Baltazar cita, por exemplo,
que a abertura de vagas é uma política pública “demorada” e desde a construção
da Cadeia Pública de Ceará-Mirim, em 2018, que não há perspectiva de novos
investimentos.
“Não se constroem vagas de um dia para o outro. A
construção de um presídio demora quatro anos. Um pavilhão, ampliação de um
presídio, demora meses. Sabemos que vai ter uma reforma na Penitenciária de
Caicó, que tem dois pavilhões bem deteriorados após uma rebelião desde 2015. Se
o Estado não começa a fazer as coisas, vai piorando. A criação da APAC Macaíba,
por exemplo, faz uns 5 ou 6 anos e não se cria porque o Estado não faz o
repasse dos recursos”, explica.
Henrique Baltazar, que atua na área penal desde
1990, aponta que a política pública carcerária é impopular para o gestor
público, mas necessária para a sociedade para atender à Lei de Execuções
Penais.
Seap afirma que sistema carcerário segue
seguro
O secretário de Administração Penitenciária do Rio
Grande do Norte, Helton Edi Xavier, afirmou que o Estado tem uma fatura em
aberto nos contratos de alimentação e duas nos de tornozeleiras eletrônicas. No
caso dos dispositivos eletrônicos, as faturas são referentes a outubro e
novembro. Os valores do MP estão desatualizados, segundo ele. A dívida com
empresas de tornozeleiras chega a R$ 1,3 milhão. Helton Edi também considera
que o sistema permanece seguro e, apesar das dificuldades financeiras, tem
avançado.
“O contrato de alimentação pagamos dezembro e falta
pagar janeiro, mas vamos pagar agora 75% e em abril os outros 25% restantes com
a fatura já de fevereiro. Isso já foi acordado com a empresa. Legalmente
falando também estamos adimplentes. É o contrato mais sadio, o de alimentação,
não deixamos atrasar dada a criticidade”, disse.
Sobre os contratos de kits de higiene, Helton Edi
Xavier disse que a dívida é diferente da apresentada pelo Ministério Público,
que aponta na ação ter 17 notas em aberto. “Há uma diferença entre o valor
apresentado e o atual. Temos hoje realmente R$ 2,378 milhões em aberto com a
empresa, que continua fornecendo os kits. Isso era algo que não se pagava no
sistema, começamos a pagar agora nesse Governo. Quem levava os kits eram as
famílias”, comentou. A Seap não detalhou as notas em aberto no contrato de
alimentação.
Sobre os contingenciamentos, Helton Edi Xavier disse
que a pasta está fazendo o levantamento acerca dos bloqueios nos orçamentos na
pasta, mas aponta que as questões são “normais” no orçamento público.
“Os contingenciamentos, em regra, acontecem porque
quando se está num momento em que os recursos são escassos, esse instituto do
contingenciamento se dá para que as áreas não executem nem empenhem tudo de uma
vez só. É uma questão de controle. O contingenciamento denota
responsabilidade”, disse.
Acerca da abertura de vagas no sistema prisional do
Rio Grande do Norte, Helton Edi diz que o Estado está trabalhando na abertura
de 500 vagas em estabelecimentos em Mossoró, Caicó e em um pavilhão no Complexo
de Alcaçuz e outro na João Chaves.
“Estamos
concluindo um pavilhão em Alcaçuz com mais de 80 vagas, outro em Mossoró com
cerca de 200 e vamos iniciar a construção em Caicó em torno de 200 vagas. As
pessoas só olham para questão de vagas, que é uma política importante, mas se
só construirmos vagas não vamos resolver nunca”, acrescenta.
Tribuna do Norte
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