Diante da queda de popularidade enfrentada pelo
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) neste terceiro mandato, adversários do governo ampliaram o
escrutínio sobre a atuação da primeira-dama Janja da
Silva, que é vista até por interlocutores do Palácio do Planalto como uma das
responsáveis por ampliar desgastes da atual gestão. Nas últimas semanas, Janja
se tornou alvo de críticas dentro e fora do governo por episódios que vão desde
a falta de transparência em sua agenda até a participação nas redes sociais. O
caso mais recente de repercussão negativa foi o spoiler que, por descuido, ela
deu em seu perfil da sigilosa águia da Portela ao visitar o barracão da escola
de samba carioca. A publicação foi retirada do ar após a reprovação de
internautas.
A consequência da elevação das cobranças já aparece
refletida em pesquisas. Segundo levantamento da AtlasIntel/Bloomberg divulgado
na semana passada, 58% dos brasileiros têm uma imagem negativa da
primeira-dama, aumento expressivo em relação aos 40% registrados em outubro.
Publicações nas redes também dão um termômetro da imagem arranhada. De acordo
com análise da consultoria Bites, 53,4% das 704 mil menções a Janja desde 1º de
janeiro foram negativas, enquanto 14,4% foram positivas e 32,2%, neutras. O mapeamento
inclui o X, Instagram, Reddit, YouTube e Facebook.
A publicação recente mencionando a primeira-dama que
obteve maior alcance partiu do deputado Nikolas
Ferreira (PL-MG), no último dia 12, e acumulou 32 milhões de
visualizações. Em vídeo nas redes sociais, em tom jocoso, o parlamentar simula
estar trabalhando em um escritório para sustentar “duas pessoas” e, ao olhar o
celular, a imagem de Lula e Janja é exibida.
A postagem faz eco a uma mobilização da oposição
bolsonarista para questionar gastos institucionais da primeira-dama. Somente no
último mês, parlamentares acionaram o Ministério Público Federal (MPF) em
quatro ocasiões, questionando despesas gerais e temas mais específicos, como a
recente viagem de Janja a um evento em Roma ao lado do ministro Wellington
Dias (Desenvolvimento Social), além de apontarem falta de
transparência na agenda.
Comparações
Há também uma ação movida pelo vereador de Curitiba
Guilherme Kilter (Novo), alegando que a primeira-dama viola princípios da
administração pública ao manter uma estrutura com 12 assessores no Palácio do
Planalto e por já ter gastado R$ 1,2 milhão em viagens. Na terça-feira,
conforme revelou o blog da colunista do GLOBO Malu Gaspar, o Superior Tribunal
de Justiça (STJ) decidiu que o caso deve tramitar na Justiça Federal do
Distrito Federal.
Segundo o cientista político Marco Antônio Teixeira,
da FGV EASP, o desconforto governista tem como pano de fundo uma comparação com
a postura mais discreta de Marisa Letícia, mulher do presidente em seus dois
mandatos anteriores e que morreu em 2017.
— Janja assumiu um protagonismo desde quando ainda
era namorada do presidente, quando ele estava preso. É natural que as críticas
venham como um custo de assumir essa posição.
O desgaste da primeira-dama também reverbera entre
os evangélicos, um dos pilares do bolsonarismo. Nos grupos de mensagens das
igrejas monitorados pelo Coletivo Bereira, agência de fact-checking voltada ao
meio protestante, cerca de 20% das críticas dirigidas a Lula mencionam Janja.
— As críticas a Janja são permanentes, mas se
intensificaram com a queda na avaliação do governo. As mensagens usualmente
exaltam Michelle como sucessora de Bolsonaro. Ela é tida como o modelo de
mulher por ser evangélica e supostamente se comportar como deveria — diz a
editora-geral, Magali Cunha.
Lideranças religiosas aproveitam para atacar agendas
defendidas pela primeira-dama.
— A esposa dele (Lula) é muito militante, e isso
pesa contra ele. O presidente governa para a esquerda — alega o bispo Robson
Rodovalho, da Sara Nossa Terra.
Fogo amigo no governo
As críticas a Janja não se restringem à oposição.
Internamente, a postura tem gerado incômodo dentro do governo. Segundo relatos,
Janja costuma participar ativamente das reuniões realizadas no Palácio da
Alvorada, residência oficial da Presidência, e opina sobre questões
estratégicas. Na semana passada, a jornalista Daniela Lima, da GloboNews,
informou que, para evitar desgastes, Lula passou a restringir a presença da primeira-dama
em certos encontros.
No sábado, durante a celebração dos 45 anos do PT,
no Rio, Lula defendeu a primeira-dama das críticas e disse que ela tem
liberdade para atuar politicamente. O presidente afirmou que, em sua casa,
sempre houve espaço para diálogo político, tanto com Janja quanto com Dona
Marisa.
— Janja agora é a bola da vez. Para me atingir,
atacam a Janja. (...) Graças a Deus eu tenho uma mulher com quem converso sobre
política, que não tem medo de falar com o marido.
Dois dias antes, em entrevista à Rádio Tupi, o
presidente já tinha saído em defesa da mulher pelas mesmas razões: “Eu acho
graça quando falam que a Janja dá palpite no meu governo, porque ela dá mesmo.
Janja cuida de mim de uma forma muito especial”.
Com a chegada do marqueteiro Sidônio Palmeira à
Secretaria de Comunicação (Secom), parte da equipe ligada a Janja foi demitida
ou realocada para os gabinetes dela e do presidente. Desde então, a estratégia
digital de Janja também mudou. Suas redes, antes focadas em viagens e agendas institucionais,
passaram a priorizar conteúdos mais descontraídos sobre a rotina do casal
presidencial. A transição, no entanto, não foi bem recebida por aliados em meio
a crises do governo.
Quando o Brasil recebeu um grupo de deportados dos
EUA, por exemplo, um vídeo de Lula colhendo hortaliças na Granja do Torto foi
publicado no perfil de Janja. Como revelou a jornalista Ana Clara Costa, do
podcast Foro de Teresina, da Revista Piauí, a situação pressionou o governo a
dar uma resposta oficial. Com dias de atraso, um pronunciamento institucional
da ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, foi postado nas redes
sociais.
Macaé criticou a política americana que exigiu que
os deportados usassem algemas e apontou possível violação dos direitos humanos.
Na semana seguinte, uma publicação de Janja
caminhando com Lula pela manhã ao som de uma música recém-lançada pela ministra
Margareth Menezes (Cultura) foi ironizada pela oposição, que lembrou da crise
inflacionária dos alimentos.
A influência dentro do governo virou alvo mais uma
vez da oposição. No retorno das atividades legislativas, o líder da oposição,
Zucco (PL-RS), protocolou requerimentos de informação a cinco ministérios sobre
o papel da mulher do presidente na gestão, apelidando a iniciativa de Pacote Anti-Janja.
— Janja virou sinônimo de gastança, luxo, poder,
deslumbramento e muito sigilo. A oposição tem articulado esse esforço em busca
de transparência — disse Zucco.
A influência de Janja ocorre desde o governo de
transição, quando foi responsável por brecar a nomeação do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ)
para o Ministério do Turismo. Embora a indicação estivesse alinhada com o PSD,
a primeira-dama interferiu na escolha por causa de um processo por violência
doméstica, já arquivado, contra o parlamentar.
Janja é bem próxima dos ministros Wellington Dias
(Desenvolvimento Social) e Alexandre
Silveira (Minas e Energia). A primeira-dama frequenta as agendas
de ambos, já tendo sido chamada de “madrinha do setor elétrico” por Silveira e
conquistado a afeição de Dias por ter abraçado a causa da fome. Aliados
minimizam o impacto da primeira-dama na queda da avaliação geral do governo.
— Se o governo recuperar os acertos, (Janja) não é
determinante. Agora, quando você não está bem, tudo irrita — diz o deputado
Reginaldo Lopes (PT-MG).
Somado às reclamações de interferência, o episódio
em que Janja atacou Elon Musk,
dono do X, durante o G20 Social, também gerou desconforto. Na ocasião, ela
discursava sobre o combate à desinformação e a necessidade de regulamentação
das plataformas digitais, quando disse “Eu não tenho medo de você, inclusive.
Fuck you, Elon Musk”.
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