domingo, 2 de fevereiro de 2025

TANGARAENSE - Alta dos alimentos altera hábitos de consumo e impacta cadeia de negócios



O motorista de transporte por aplicativo Edilton Oliveira, de 24 anos, substituiu o consumo de carne vermelha por frango e deixou de ir ao shopping com as duas filhas no final de semana. A mudança de hábitos, no entanto, não se deu de maneira espontânea, já que, pelo menos aos domingos, ele mantinha a rotina de se reunir com os amigos para um churrasco ou levar as filhas para comer um sanduíche fora de casa. Porém os altos preços de itens alimentares básicos, dentre eles a carne, o café e o arroz, impactaram diretamente o orçamento de Edilton e da maioria dos brasileiros, que agora adotam novos comportamentos para tentar se ajustar a uma realidade de inflação em disparada.

O economista Thales Penha explica que, para analisar os efeitos da escalada de preços no bolso do consumidor, é preciso fazer uma estratificação, já que a população de menor renda sente mais os impactos. É esta parcela que vai alterar hábitos de consumo, inclusive, em outras áreas. “As pessoas mais carentes vão reduzir o consumo de lazer, trocar o ônibus pela bicicleta para ir ao trabalho e até mudar de aluguel, deixando um local mais caro por um mais em conta, já que não é possível parar de consumir os produtos básicos da alimentação”, diz.

É o que tem feito o motorista Edilberto Oliveira. “Tenho duas filhas, uma de seis e outra de dois anos. Em uma ida com elas e com minha esposa ao shopping para comer sanduíche, eu gastaria em torno de R$ 150, então, prefiro ficar em casa. Carne é outra coisa que praticamente não compro, só frango mesmo”, relata.

A assistente comercial Sayane Camila confessa que a opção para economizar tem sido uma só. “Busco sempre promoções, porque está tudo muito caro. O café, por exemplo, virou artigo de luxo”, ela fala.

E a situação não deve melhorar no curto prazo. Especialistas ouvidos pela reportagem apontam que 2025 será um ano bastante desafiador para o controle da inflação dos alimentos. Na avaliação de Thales Penha, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), medidas, de fato, mais eficazes, levam tempo para surtir efeito. “É preciso uma série de políticas estruturantes, no sentido de melhorar a capacidade de infraestrutura e de custos ao produtor em relação à importação e também à fabricação de insumos”, comenta o professor.

Para William Figueiredo, economista da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do RN (Fecomércio RN), a alta no preço dos alimentos deverá acompanhar a inflação como um todo, o que fará de 2025 um ano bastante complicado. “As projeções apontam que a inflação deve ficar acima do teto novamente e maior do que a de 2024. Além disso, temos aumento de juros e um câmbio bastante elevado”, prevê o economista.

Conforme divulgado na semana passada pelo Comitê de Política Monetária (Copom), as expectativas do Banco Central são de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegará a 5,2%. No ano passado, o índice fechou em 4,83%.

Super safra pode ajudar a amenizar impactos

O economista Robespierre do Ó acredita que uma super safra, conforme se espera, possa ajudar a controlar o cenário em 2025. No entanto, as questões climáticas, que representaram o principal fator para as elevações atuais, podem, mais uma vez, alterar os cenários. “Se essa super safra se confirmar, a tendência dos preços é cair e de haver estabilidade. A situação de produtos como o café depende muito disso. Mas não é algo cravado, porque pode haver a interferência de elementos climáticos”, disse Robespierre.

José Vieira, presidente da Federação da Agricultura, Pecuária e Pesca do Rio Grande do Norte, comentou que não há solução mágica para reduzir os preços dos alimentos, mas esclarece que, apesar das questões climáticas que influenciaram a produção em 2024, não há crise de desabastecimento. Este seria um sinal de que a inflação pode apresentar algum freio. “Teremos uma safra recorde de grãos este ano e boa parte dos outros produtos da agropecuária terão aumento de produção”, aponta Vieira.

Robespierre do Ó ressalta que o aumento dos preços em nada tem a ver com o crescimento de consumo e cita que os estoques reguladores seriam uma saída para aliviar o bolso do consumidor. “Não existe um ambiente de consumo que possa justificar a inflação, porque, na verdade, as pessoas estão ‘correndo’ mais para conseguir comprar. Então, na hora em que o Governo tem escassez de um produto nas prateleiras, ele pega esse mesmo produto no estoque e joga no mercado para derrubar os preços”, explica Robespierre.

Os estoques reguladores começaram a ser esvaziados em 2016, quando a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) deixou de comprar alimentos como feijão, arroz, milho, soja, trigo e café para armazenamento. O professor Thales Penha concorda que a falta de estoques, em conjunto com eventos como as secas no Centro-Sul e Centro-Oeste do País e as enchentes no Rio Grande do Sul contribuíram para o atual quadro. “Diante desses eventos, nossa produção caiu significativamente. Aliado a isso, desde 2016 a gente teve uma nova política agrícola que destruiu nossos estoques reguladores de alimentos”, explica o economista.

Alta afeta restaurantes, que tentam segurar os preços

Os preços dos itens da alimentação em domicílio registraram alta de 8,23% em 2024 em todo o Brasil, bem acima da inflação do País, que fechou o ano com índice de 4,83%. A alimentação é responsável pelo comprometimento da maior parte da renda de boa parcela dos brasileiros, por isso o aumento dos preços de itens básicos como café (39,6%), óleo de soja (29,21%), carnes (20,8%), arroz (8,24%), açúcares e derivados (5,59%) tem chamado tanta atenção. A elevação provoca efeitos em cadeia e já chegou para os donos de restaurantes da capital potiguar, embora os consumidores ainda não tenham sido afetados nesse aspecto.

José Ari, proprietário de um restaurante na Avenida Duque de Caxias, na Ribeira, fala que, mesmo com as altas expressivas, não tem repassado os custos para os clientes. O temor dele como empreendedor é que os consumidores se afastem. “Houve um aumento generalizado, mas a gente não pode chegar e mudar os preços, porque o cliente some. Por enquanto, estou aguentando do jeito que está”, comenta.

Rute Dayane, dona de um self-service no mesmo bairro, diz que sente o impacto toda semana, quando vai às compras. Ela pretende oferecer opções de churrasco em breve e conta que, com o preço atual das carnes, deverá passar algum reajuste ao cliente.

“A cada compra vejo que ocorre uma baixa de até R$ 400 no meu faturamento, porque o preço do almoço aqui está no limite do barateamento. Então, sinto que poderia estar lucrando esse valor de R$ 400 de alguma forma. Atualmente, como ainda não sirvo churrasco, não aumentei [o preço do almoço], mas quando as opções [de carne] entrarem no cardápio, com certeza vou reajustar”, diz Rute.

Especialistas analisam que a manutenção dos preços será uma tarefa árdua para as empresas de alimentação fora do lar, especialmente diante da aparente ausência de soluções rápidas para conter a alta.

Thales Penha acredita que, em algum momento, os restaurantes terão de fazer reajustes para os clientes. “A alimentação fora do lar já é uma das mais caras no Rio Grande do Norte, e boa parte dos aumentos de preços vai ser repassada em algum grau, porque não tem como segurar se não houver nenhuma política capaz de frear os preços”, afirma.

“Temos um constante desafio, porque estamos falando de corroer margens de lucro. Em 2024, o setor segurou – e perdeu – 2% da inflação dos alimentos e para este ano será ainda mais desafiador, porque outros insumos precisam ser levados em conta em um restaurante, como aluguel e energia, os quais também ficaram mais caros”, analisa William Figueiredo, da Fecomércio.

Estoque

Além de restaurantes, os supermercados e mercadinhos são impactados. Pedro Henrique Cordeiro, que é auxiliar de vendas em um mercadinho na Redinha, na zona Norte de Natal, comenta que as vendas no estabelecimento apontam para uma redução de 40% nos cinco últimos meses. Segundo ele, o estoque do mercadinho também está menor. “Não dá para manter tantos produtos que estragam rápido, então, a gente tem diminuído a quantidade de alguns itens no estoque”, conta.

O cenário de vendas em baixa tem sido observado pelo presidente da Associação dos Supermercados do Rio Grande do Norte, Mikelyson Góis. “É muito comum o cliente trocar um item por outro. A gente observa também um volume menor de vendas”, comentou o presidente, mas sem mencionar números.

Em relação a 2025, Góis afirmou que prefere aguardar um pouco mais para traçar um panorama. “Este é um período onde as pessoas vão para o litoral e o consumo cai. Então, preferimos esperar para ver o que vai acontecer a partir de fevereiro e queremos acompanhar como os preços vão se comportar”, pontuou.

 

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