Mesmo com decisão judicial e entendimento do Supremo
Tribunal Federal (STF), a oferta de vagas na educação básica para a primeira
infância ainda é uma realidade distante no Rio Grande do Norte. Números do
Anuário Brasileiro da Educação Básica 2024 mostram que 113.818 crianças de 0 a
3 anos no Estado não frequentam a educação infantil, o que corresponde a 57,3%
das crianças nessa faixa etária no Estado. Segundo o Anuário, o acesso às
creches é realidade para 84.976 crianças.
A publicação do Anuário Brasileiro da Educação
Básica reúne dados públicos sobre educação brasileira do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ministério da Educação, além de análises
das informações.
Na avaliação de gestores públicos e especialistas em
educação, a explicação para mais da metade das crianças nessa faixa de idade
fora da sala de aula tem a ver com uma série de fatores, entre eles o não
interesse de parte dos pais em matricular crianças nessa faixa etária, que pode
estar associada a uma questão cultural. No entanto, o principal fator elencado
é a falta de vagas, em especial no setor público.
“Tem a questão de falta de vagas em algumas cidades
para acolher essas crianças, assim como existe a creche na cidade, mas a zona
rural não tem e esse acesso do transporte escolar para levar uma criança de 0 a
3 anos se torna um desafio ainda maior. Outro fator relevante é que algumas
famílias, por questões culturais, não têm essa dimensão dessa idade de 0-3
anos. Eles optam por essas crianças nessa primeira idade por ter os cuidados
familiares ao invés de levarem para uma escola. No caso de crianças de 6 meses,
nem todos os municípios ofertam e aqueles que ofertam há uma resistência dos
pais de matriculá-los”, explica Joária de Araújo Vieira, presidente da União
dos Dirigentes Municipais de Educação do Rio Grande do Norte (Undime-RN).
Ainda segundo Joária, as discussões acerca do tema
tem sido intensificadas nos últimos anos, mas a realidade de falta de recursos
é uma situação que dificulta a vida dos gestores públicos.
“O investimento é um dos pontos cruciais para que
essas escolas sejam abertas. Nessa idade esse investimento é maior do que os
alunos. Por exemplo: a quantidade de pessoas necessárias para ficar com
determinado número de alunos. A cada dez alunos precisamos ter o professor e
dependendo da idade, um cuidador. A infraestrutura, no caso do berçário, tem
que ter o horário do sono, do descanso. É uma logística completamente diferente
das crianças maiores”, cita.
A coordenadora de Políticas Educacionais do Todos
Pela Educação, Daniela Mendes, explica que a educação infantil é dividida em
duas etapas diferentes: a creche, que atende crianças de 0 a 3 anos e não é
obrigatória e a pré-escola, que atende de 4 a 5 anos, etapa que compreende educação
básica e obrigatória.
“Nacionalmente, o problema de acesso à pré-escola já
está bastante avançado no sentido de resolução. Estamos próximos de atingir uma
universalização dessa etapa. Nosso grande desafio se concentra realmente nas
creches. Por não ser uma etapa obrigatória, isso faz com que a prioridade
política seja menor por parte dos governantes. Os municípios tendem a priorizar
as ações da pré-escola e as ações das creches acabam sendo despriorizadas,
mesmo com a decisão do STF. É importante considerar que os municípios,
principais responsáveis, muitas vezes são o elo mais frágil na cadeia dos entes
federados, tanto tecnicamente e financeiramente”, cita.
“Os impactos dessa falta de capacidade dos
municípios de atender essa demanda são justamente reflexos que aumentam a
situação de pobreza e vulnerabilidade das crianças, porque o problema da falta
de creche afeta principalmente as crianças que mais precisam, em famílias
vulneráveis, e que seriam as mais beneficiadas”, acrescenta.
Recursos
O presidente da Federação dos Municípios do Rio
Grande do Norte (Femurn), Luciano Santos, comenta que a decisão do STF ainda
não é cumprida em sua totalidade pelos municípios por falta de recursos. O
gestor cita, por exemplo, que viabilizar uma creche com todas as suas
particularidades, com insumos e recursos humanos, têm altos custos.
“Observamos esse número como algo preocupante, mas
ao mesmo tempo, os municípios ofertam, sim, dentro dos seus limites de
capacidade da estrutura que possuem. O STF e Governo Federal impuseram aos
municípios essa incumbência de assumir as creches, mas o problema é que as
transferências de recursos para a educação não cobrem essas atividades de
creche”, analisa, explicando ainda que o tema já é objeto de discussão na
Confederação Nacional dos Municípios (CNM) em busca de um PL para ampliar o
Fundeb para as creches e pré-escolas.
O tema não é novo. Neste ano, uma auditoria do
Tribunal de Contas do Estado (TCE-RN) apontou que pelo menos 28 municípios do
Rio Grande do Norte não garantiam vagas suficientes em creches para crianças de
até 03 anos. Em Natal, a questão de falta de vagas em creches e pré-escolas tem
sido tema de debates intensos nos últimos anos, tendo sido um dos assuntos mais
debatidos na campanha eleitoral deste ano.
Decisão
Em setembro de 2022, o Supremo Tribunal Federal
(STF) decidiu que é dever do Estado garantir vagas em creches e pré-escolas
para crianças de 0 a 5 anos de idade. O STF julgava um caso impetrado pelo
município de Criciúma-SC, que defendia que o poder público deveria cumprir esse
papel na medida de suas possibilidades, uma vez que nem sempre há recursos
suficientes. Além disso, dizia que o Poder Judiciário não poderia interferir
nos planos e metas municipais.
Na época da votação, dos 11 ministros, dez votaram
no sentido de negar o recurso. A decisão do STF na época passou a ter
repercussão geral, o que significa que o entendimento adotado neste caso será
aplicado em outros casos semelhantes.
“O Poder Público tem o dever jurídico de dar
efetividade integral às normas constitucionais sobre acesso à educação básica”,
entendeu o plenário à época.
- Femurn:
universalização custaria R$ 840 milhões
A universalização de vagas em creches no Rio Grande
do Norte custaria pelo menos R$ 840 milhões aos cofres públicos, segundo
estatísticas da Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte repassadas à
TRIBUNA DO NORTE.
Segundo os dados da Femurn, a projeção do IBGE para
a população de 0 a 3 anos no RN em 2024 é de 162.047, tendo 46.818 alunos
matriculados. Para chegar ao cálculo, a Femurn pegou a diferença de 115.229 e
se os municípios fossem absorver todos os alunos de creche tempo integral
multiplicando pelo valor de R$ 7.293,11 (valor aluno ano da creche tempo
integral), resultando em R$ 840.377.772,19.
Nesse sentido, Luciano Santos aponta que é
necessária uma política de cofinanciamento por parte do Ministério da Educação
(MEC) para a pauta. Segundo ele, municípios não conseguem custear a política
pública sozinhos.
“Os municípios ofertam, mas dentro de suas
limitações. Existe uma necessidade gritante de prefeitos e prefeitas para
suprir em sua totalidade de capacidade essa necessidade. Agora, a
infraestrutura de educação de creches e pré-escola ainda é inadequada em todo
nosso território brasileiro e no RN. O que queremos é um cofinanciamento para
termos essa estrutura adequada e para custearmos a mão de obra necessária. O
professor de creche é diferenciado do professor da educação básica da criança
já na sua fase de pré-escola”, acrescenta.
Tribuna do Norte
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