O número de cidades brasileiras onde a principal
causa de morte por doenças é o câncer tem aumentado nos últimos anos,
revela uma pesquisa publicada na revista científica The Lancet Regional Health –
Americas.
Segundo o epidemiologista Leandro Rezende,
coordenador do trabalho e professor do Departamento de Medicina Preventiva da
Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), a mudança significa que os brasileiros estão vivendo mais e que o
tratamento das doenças cardiovasculares, que costumavam figurar em primeiro
lugar na lista, está fazendo efeito.
Dos 5.570 municípios do País, 727 (13%) indicaram
essa mudança em 2019. O número quase dobrou desde 2000, quando essa era a
realidade de apenas 366 cidades (7%).
Os cientistas avaliaram, por ano, a taxa e as causas
de mortalidade em cada município. Depois, a análise focou também nos índices de
mortalidade considerada prematura por doença cardiovascular e câncer, ou seja,
nos óbitos de pessoas entre 30 e 69 anos de idade. Essa é a classificação da
Organização Mundial da Saúde (OMS) de “mortes que poderiam ser evitadas”.
“Com o envelhecimento, é esperado que as pessoas morram por câncer. Mas o
falecimento de jovens por doenças cardiovasculares, a princípio, poderia ser
evitado com prevenção ou tratamento adequado”, explica o pesquisador.
Em 2000, cerca de 15,5% dos municípios tinham mais mortalidade prematura por
câncer do que por doença cardiovascular. Em 2019, o índice saltou para cerca de
34% das cidades. É importante destacar, entretanto, que apenas 85% dos óbitos
foram preenchidos corretamente nos anos iniciais. A partir de 2016, esse índice
subiu para 99%.
Diferenças por Estado
Embora a pesquisa mostre que, em 2019, a taxa de mortalidade prematura por
doenças cardíacas ainda superava as mortes por câncer no Brasil, há uma
tendência de queda relacionada aos óbitos por problemas cardiovasculares,
sugerindo transição no cenário.
Em seis unidades federativas — Amazonas, Amapá, Distrito Federal, Paraná, Rio
Grande do Sul e Santa Catarina —, a mortalidade prematura por câncer já se
mostrou maior, segundo o estudo, que reuniu cientistas baseados no Brasil,
Chile, China e Estados Unidos.
Rezende conta que esse padrão (de mais mortes por câncer) é observado em países
desenvolvidos. O Brasil, considerado emergente, passa pelo processo de
inversão.
Para classificar os resultados, os pesquisadores
criaram divisões por ano, idade e região, mas também por renda per capita,
utilizando o índice de desenvolvimento humano (IDH) municipal e dados da
população obtidos pelo Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
“Em geral, vemos essa transição das causas de morte mais avançada em municípios
com alta renda per capita e que estão particularmente localizados nas regiões
Sul e Sudeste do País”, detalha o professor.
Entre os anos pesquisados, a mortalidade por doenças cardiovasculares diminuiu
em 25 Estados brasileiros. Considerando o número de mortes a cada 100 mil
adultos nos anos de 2000 e 2019, respectivamente, tiveram destaque:
Paraná – de 315,3 para 144,4
Rio Grande Do Sul – de 301,8 para 134,4
Santa Catarina – de 296,5 para 136,1
Espírito Santo – de 291 para 147,2
e São Paulo – de 300 para 158,8
Em paralelo, a taxa de mortalidade por câncer cresceu em 15 Estados, com
destaque para:
Paraíba – de 43,8 para 95,0
Tocantins – de 45,9 para 80,1
Piauí – de 52,0 para 86,1
e Maranhão – de 38,7 para 72,2
“Essa transição mostra que os avanços no tratamento e na prevenção das doenças
cardiovasculares trouxeram uma redução na mortalidade por essa causa”, reforça
Rezende.
Comportamento
O pesquisador conta que, além do envelhecimento, questões
relacionadas aos hábitos de vida podem ajudar a explicar a transição que o
Brasil está vivendo. Segundo ele, embora fatores como obesidade e má
alimentação influenciem nas duas doenças, é necessário um esforço maior para
combater alguns fatores de risco associados ao câncer, como tabagismo e consumo
de álcool.
“Se um fumante para de fumar, em cerca de dois anos ele já reduziu um pouco o
risco de doenças cardiovasculares”, exemplifica. Já no caso do câncer, o
impacto da medida não é tão rápido assim.
Por isso, o foco dos pesquisadores é a prevenção. “Sabendo quais municípios
estão em transição, é possível enviar mais recursos de oncologia, para evitar
as mortes como um todo”, exemplifica.
No início do ano, um estudo da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo
(Socesp) com 2.764 pessoas na capital paulista e em cidades do interior do
Estado mostrou que a maioria dos respondentes não conhecia os principais
fatores de risco por trás de problemas como infarto e acidente vascular
cerebral (AVC).
Mais recentemente, um levantamento com 1.036
brasileiras entre 16 e 60 anos mostrou que muitas têm dificuldade de
identificar mitos e verdades sobre o câncer de mama, primeira causa de morte
por câncer em mulheres no País.
Estadão
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