PEC que impõe escala de trabalho 4x3 seria um erro
Mudança traria mais despesas para empresas, maior
informalidade e queda no rendimento do trabalhador
Não, a sexta-feira não deve ser o novo sábado, como
quer a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada federal Erika Hilton
(PSOL-SP). O texto pretende impor uma semana de quatro dias de trabalho e três
de descanso (4x3), com redução no limite de horas trabalhadas de 44 para 36,
sem aumento da carga diária de oito horas nem redução de salário. Apresentada
sem nenhum embasamento técnico, a PEC recolheu assinaturas suficientes para ser
discutida, ganhou apoio de ministros, parlamentares e do vice Geraldo Alckmin.
Quem defende a mudança parece crer que o avanço da tecnologia permitiria à
força de trabalho uma rotina menos intensa, sem perda de produtividade. Imagina
que, para dar conta do trabalho, as empresas contratariam mais funcionários,
reduzindo o desemprego. Na teoria, parece bonito. Na prática, o resultado seria
outro.
Adotar jornada menor com manutenção do salário
significa criar mais despesa para as empresas, num país onde o custo de
empregar já é alto. Para os contratados, equivale a um aumento salarial, mas
não para os 40% que trabalham na informalidade. Como o governo não tem condição
de conceder incentivos — precisa cortar, não aumentar gastos —, os empresários
não teriam alternativa senão demitir, e o trabalho informal cresceria. Outra
consequência seria a queda paulatina na remuneração para compensar a inevitável
diminuição na produção resultante de menos horas trabalhadas.
Mais grave: a PEC é desnecessária. A reforma
trabalhista de 2017 já autoriza que empresas e funcionários negociem mudança na
jornada de trabalho quando ela se justifica. Tanto que a maioria dos contratados
já trabalha cinco dias e folga dois. A reforma também trouxe flexibilidade na
gestão do tempo, hoje facilitada pelo trabalho remoto. Tudo isso deve ser
incentivado quando for adequado, mas jamais engessado. Gravar a escala de
trabalho na Constituição equivaleria a retroceder numa reforma que, desde que
implantada, só aumentou o emprego formal. E sempre vale lembrar: quem tem menos
direitos trabalhistas no Brasil são os informais — contingente que só faria
aumentar com a PEC.
A experiência internacional também mostra que
reduzir a jornada não costuma gerar mais postos de trabalho. O melhor exemplo é
a França, onde uma reforma instituiu a semana de 35 horas e, passados 26 anos,
não houve impacto positivo no emprego. Não foi surpresa quando a reforma começou
a ser desidratada. Novas leis permitiram mais horas extras, negociações
setoriais criaram exceções e maior flexibilidade. Noutros países europeus, a
história é parecida. “O total de horas trabalhadas diminuiu, mostrando que as
empresas não contrataram mais”, diz estudo do Institute of Labor Economics
(IZA) sobre as experiências de Portugal, Itália, Bélgica e Eslovênia.
Claro que o debate sobre a PEC deve levar em conta
as peculiaridades do Brasil. A renda per capita europeia é o quádruplo da
brasileira, mesmo assim brasileiros trabalham tantas horas quanto japoneses,
italianos ou australianos. Em países ricos, o nível de renda permite trabalhar
menos, e reduzir a jornada pode ser uma discussão pertinente. Nos de renda
baixa ou média (caso do Brasil), o comum é trabalhar bem mais. Jornada de
trabalho e produtividade são questões indissociáveis. Reduzir a primeira sem
aumentar a segunda tem efeitos indesejados.
Editorial O Globo
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