CRÔNICA: Um certo José. Por Marcus Aragão
Imaginemos aqui um homem de baixa renda, morador de
uma comunidade. Trabalhando de 8 a 10 horas por dia, ele passa mais 2 horas no
coletivo e outras tantas caminhando para chegar ao trabalho.
Casado e pai de um menino de 11 anos, divide seus
afazeres com a esposa, que também trabalha fora para ajudar no orçamento. Seu
lazer é a TV e uma pelada no final de semana.
Apesar de sua vida difícil, José não reclama de
nada. Enfrenta sua luta diária com resignação e oração, pedindo a Deus que seu
filho não caia nas mãos das facções que dominam sua comunidade.
Todo sacrifício, José entrega a Deus como se fizesse
um acordo com o Senhor: — “Meu Deus, só peço uma coisa nesta vida, que consiga
educar meu filho para que ele se encaminhe na vida e não caia nas mãos do
crime” — dizia nosso José.
Mesmo sem poder, José e sua esposa não mediam
esforços para educar Pedrinho da melhor forma. Juntavam cada centavo, poupavam
cada moedinha, evitando qualquer tipo de lazer, para que o dinheiro fosse
suficiente para pagar a escola privada de Pedrinho. Frequentemente, chamava seu
filho para dar conselhos que aprendera com sua mãe: — “Meu filho, estude, ore e
siga sempre o caminho do bem. Nunca pegue nada de ninguém.” — E José sonhava
acordado com o futuro do filho: — “Um dia você vai ser doutor. Tenho fé em Deus
que um dia verei você atendendo o filho do patrão.”
José sabia que as facções estavam por toda parte,
recrutando menores para pequenos crimes. Por isso, sempre ficava de olho, como
um pai vigilante deve ser.
Porém, para surpresa de todos, na semana passada, o
pequeno Pedrinho chegou com uma pergunta inusitada que fez José sentir
angústia, revolta e um sentimento de impotência sem fim. Tentou disfarçar o
incômodo, mas a emoção não permitiu esconder os olhos cheios de lágrimas.
— “Papai, o Fernandinho, que tem aquele iPhone novo,
veio aqui me dizer que não vai ser crime fazer um pequeno furto. Isso é
verdade, papai?”
José ficou com o olhar perdido, lembrando que realmente
tinha escutado isso na rádio. Imaginou seu filho furtando o filho do patrão e
não pôde conter que mais uma lágrima escorresse pelo rosto.
Interrompo esta crônica com uma pergunta para esse
pai:
— E agora, José?
Blog do Gustavo Negreiros
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