O Globo
O governo vai enviar ao Congresso, nos próximos dias,
um projeto de lei que abre caminho para a privatização dos Correios. O texto já
foi assinado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A proposta regulamenta o
artigo da Constituição que trata dos serviços postais.
O modelo de privatização ainda está em estudo pelo
governo, que trabalha com um cronograma no qual o leilão é previsto para meados
de 2021. Mas o projeto de lei dará flexibilidade para qualquer modelo que o
Ministério da Economia definir para vender a estatal.
A privatização dos Correios será a primeira a ser
proposta pelo governo em 2020. Nos bastidores, a expectativa de Guedes é tentar
aprovar o projeto ainda neste ano, como forma de demonstrar avanço na agenda de
desestatizações, que pouco andou até agora.
Em 2019, foi proposta a privatização da Eletrobras,
que também não avançou no Congresso.
O artigo 21 da Constituição diz que compete à União
“manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”. O projeto de lei
elaborado pela equipe de Guedes define o que é o serviço postal, criando o
conceito de serviço postal universal, disse ao GLOBO o secretário especial de
Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac
Cord.
— Com isso, cria-se um mercado plenamente competitivo,
cabendo à União apenas garantir que todos serão atendidos — explicou o
secretário. — Isso tirará um enorme peso do governo, que poderá focar sua
energia na oferta (de serviço postal) a essas regiões específicas ou então
oferecer o serviço “em pacotes”, como estamos fazendo com o saneamento,
misturando áreas deficitárias com outras superavitárias.
Uma das principais críticas dos contrários à
privatização dos Correios, como a Adcap, associação dos funcionários da
estatal, é a de que um operador privado não terá interesse de manter o alcance
atual do serviço postal, que chega a todos os municípios e regiões do país.
Mac Cord diz que o governo vai manter atendimento a
todos os brasileiros, independentemente do modelo escolhido para a
privatização. O governo não descarta vender parte da empresa ou lançar ações em
Bolsa, entre outros modelos.
— De qualquer forma, o texto não crava uma solução:
apenas nos abre um leque de oportunidades enorme, mas sempre garantindo que
ninguém ficará para trás — disse o secretário, acrescentando que serviços
essenciais como entregas de vacinas ou de urnas eleitorais não podem deixar de
ser oferecidos. — A questão é que faremos isso de maneira mais eficiente, em
respeito ao recurso público.
O secretário diz que o objetivo do projeto é abrir
espaço para o futuro, citando como exemplo as exigências da privatização das
telecomunicações, na década de 1990, que hoje não fazem mais sentido. Por isso,
afirmou, não é possível fixar tecnologias na lei:
— Entregas começam a ser feitas por drones. Caminhões
autônomos são realidade. Não é o governo quem vai conseguir acompanhar o ritmo
das mudanças. Precisamos do empreendedor, do visionário, do inovador. A quebra
do monopólio nos permitirá fazer isso: serviços melhores por menores preços.
Corte de gastos
Os Correios têm cerca de 130 mil funcionários, maior
contingente entre as estatais. Em 2019, a empresa distribuiu 4,96 bilhões de
objetos, gerando receita bruta de R$ 19,1 bilhões. A empresa teve lucro de R$
102 milhões no ano passado. Em 2018, o ganho foi de R$ 161 milhões.
Alvo de escândalos de corrupção, a estatal chegou a
registrar quatro anos seguidos de prejuízo (entre 2013 e 2016). Nos últimos
anos, vem tentando reduzir custos com um programa de demissões incentivadas e
novas regras para benefícios para os servidores.
O Postalis, o fundo de pensão dos trabalhadores dos
Correios, tem rombo de R$ 10 bilhões.
— Os Correios possuem ativos valiosíssimos: uma
capilaridade enorme, centros de distribuição muito bem localizados. Como será
feito, ainda está em estudo. Por isso que uma lei flexível é tão importante —
disse Mac Cord, sem estimar quanto vale a estatal.
Modelo de venda desafiador
O maior desafio para uma eventual privatização dos
Correios, segundo especialistas, é como definir um modelo de venda que
equilibre a atratividade do negócio para empresas privadas com a manutenção da
capilaridade de atendimento.
É consenso que a malha da estatal, presente em todos
os municípios do país, é um fator que derruba a rentabilidade da operação.
O tamanho dos Correios, que hoje tem cerca de 130 mil
funcionários, seus passivos e sua operação deficitária são fatores que deverão
ser levados em conta no desenho da privatização e afetam o valor do negócio.
O cronograma do governo, que prevê a desestatização
ainda em 2021, é visto como excessivamente otimista.
— É uma empresa extremamente endividada, com um fundo
de pensão quebrado. Se o governo quiser ganhar dinheiro com a privatização, tem
que tirar tudo isso da mão do investidor. Também precisaria enxugar a
estrutura, fazer PDV (plano de demissão voluntária), recapacitar os servidores,
porque não vai ter setor privado interessado em contratar 130 mil — afirma
Elena Landau, economista e ex-diretora do BNDES.
Para Sérgio Lazzarini, professor do Insper, o modelo
mais fácil do ponto de vista técnico seria vender a operação como um todo e
deixar o setor privado ajustar a estrutura adquirida.
No entanto, isso traria alta nos preços dos serviços
em regiões mais afastadas e queda na área de cobertura.
— Os Correios atendem regiões como favelas e áreas
remotas que não são hoje atendidas pelos privados porque não há rentabilidade.
Se vender a empresa sem parâmetro regulatório, o preço vai subir — diz ele.
Subsídios públicos
A alternativa de exigir uma cobertura mínima em áreas
menos rentáveis, como na privatização das empresas de telefonia, derruba a
atratividade da empresa para a iniciativa privada.
Lazzarini diz defender que o governo subsidie, a
preços de mercado, uma espécie de complementação do frete para que o custo da
entrega não seja alto para o consumidor nessas regiões.
Tayguara Helou, presidente do sindicato das empresas
de transporte de São Paulo, diz que a venda da empresa em bloco único seria um
caminho viável.
— É uma empresa deficitária mesmo sem pagar tributos
federais, estaduais e municipais. O ideal seria fatiar a operação por unidades
de negócio por meio de concessões — afirma.
Helou lembra que o segmento postal não é um mercado
muito rentável. Por isso, se for atendido pelas companhias privadas, será uma
receita periférica.
Alexandre Pierantoni, diretor-executivo da consultoria
Duff & Phelps, afirma que, independentemente do modelo a ser adotado, é
pouco factível que o governo consiga concretizar a desestatização antes de
2022.
— Todo o modelo de concessão demanda tempo, precisa de
estudos e conversas com investidores.
Uma divisão da estatal por segmentos de serviço em vez
de um fatiamento regional, segundo ele, pode fazer mais sentido ao negócio.
— A preocupação é como fatiar a operação de modo a garantir
que as unidades de negócios tenham regiões lucrativas e deficitárias juntas.
Manter o serviço estatal apenas na ponta da entrega
final, mas privatizar as demais etapas do processo logístico, como distribuição
e transporte, pode ser uma solução rentável, segundo Luís Antônio de Souza,
sócio do escritório Souza, Mello e Torres.
A modelagem da privatização, segundo ele, também vai
precisar discutir temas como a privacidade e a proteção de dados de entregas e
fluxos postais, informações que hoje têm alto valor comercial.

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